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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

CLUBE DE LEITURA JANE AUSTEN E A MÃO ESQUERDA DA ESCURIDÃO


Algum tempo atrás, re-vi o filme Clube de Leitura Jane Austen (The Jane Austen Book Club. Dir. Robin Swicord, 2007), baseado no romance de Karen Joy Fowler (texto que li trechos em espanhol). (NOTA: A tradução brasileira, da Angela Pessôa, é de 2017).

O desdobramento das várias histórias relacionadas com um grupo de amigos reunidos em um clube de leitura ocorre de forma intensa, interessante. Unindo o entorno físico e psicológico das personagens com o modelo comportamental sugerido pelos romances de Jane Austen, o filme (apesar da superficialidade imposta pelo cinema comercial) propõe a literatura como instrumento de análise social. Uma das cenas é bastante significativa nesse aspecto. Diante da escolha entre o marido troglodita e o jovem amante, Prudy se pergunta: o que Jane Austen faria? A resposta, apesar de dolorosa, mostra que a sensatez é inimiga do ressentimento.

Por diversos motivos e circunstâncias, quando revi o filme, ainda não havia lido dois dos romances de Jane Austen: Mansfield Park e Persuasão. Então, os acrescentei à minha lista de "lições de casa" para 2011. Parte dessa tarefa já cumpri. Mansfield Park é sensacional, como todos os livros aparentemente água-com-açucar de Jane Austen. Por trás daquela suavidade de lago tranquilo, onde as mulheres fingem estar prontas para agarrar o bonitão mais próximo, há um oceano recheado de tubarões!

O problema de uma das edições brasileiras de Mansfield Park é de outra ordem: é um livro horrível, com um preço absurdo para uma edição tão descuidada. Além da tradução duvidosa (o que pode ser confirmado no ato, pois é edição bilíngue), o volume está cheio de erros gráficos, dezenas de "gatos" atrapalhando a leitura. As edições da Martin Claret e da L&PM são um pouco melhores.

Há um outro tipo de convite literário no filme Clube de Leitura Jane Austen: a ficção científica. Dois dos personagens do filme se envolvem em um relacionamento afetivo complicado. Em determinado momento, Grigg usa o argumento definitivo: como está lendo os livros que agradam a Jocelyn, insiste para que ela leia os livros que o agradam. Sugere, entre muitos títulos, A mão esquerda da escuridão, escrito por Ursula K. Le Guin.

Na adolescência, li muita ficção científica. Começando com Júlio Verne e Emílio Salgari (na famosa coleção terra­mar­e­ar), passando por Isaac Asimov e Arthur Clarke, terminei nas discussões sobre o autoritarismo político: 1984 (George Orwell) e Fahrenheit 451 (Ray Bradbury).

Com o surgimento de novos interesses, principalmente o realismo e a teoria literária, fui me desvencilhando de algumas fantasias. Inclusive aquelas relacionadas com a construção (real ou imaginária) de outros universos.

Logo após o término do filme, fui até a estante onde habitam as minhas cópias dos romances escritos por autores nascidos nos Estados Unidos. Rapidamente localizei o exemplar de A mão esquerda da escuridão, intocado, como se estivesse a me esperar: livro bonito, edição de 2008, capa branca, bom designe (para o título, para o nome da autora, para a ilustração que somente se percebe quando a luz incide adequadamente).

Nas primeiras páginas, a qualidade literária se destaca, a curiosidade invade o leitor, a vontade de mergulhar na leitura se impõe. Foi o que aconteceu comigo. O interesse na história de terráqueo Genly Ai, enviado da Federação Galáctica (Ekumen) ao planeta Gethen, se mantém pela constância do estranhamento, uma surpresa narrativa atrás da outra. Além disso, o tom descritivo (comum na ficção científica) não abusa da paciência do leitor e não há tramas paralelas ao enredo principal.

Outra questão também contribui para manter o interesse: o texto esta recoberto por leve tom erótico, muito discreto, quase indelével, a sussurrar no ouvido do leitor que discutir certas questões (apesar das negações do inconsciente) implica em construir um mundo aberto à diversidade, ao convívio com o estranho, com o Outro.

Fazia algum tempo que não obtinha tamanho prazer com leitura descompromissada com os afazeres profissionais.

2 comentários:

  1. Prezado Raul, você poderá solicitar à editora que troque o seu exemplar. A editora lançou uma segunda edição em correção à primeira.

    atenciosamente,
    adriana Zardini

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  2. Adriana: Obrigado pela dica! Vou tentar entrar em contato com a Landscape!

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