terça-feira, 29 de novembro de 2011
DE MÃOS DADAS COM NABOKOV
Eu soube que poderia ficar nesta cidade quando encontrei a panela azul esmaltada no lago. A panela me levou à casa, a casa me levou ao livro, o livro me levou ao advogado, o advogado me levou ao bordel, o bordel me levou à ciência e, a partir da ciência, eu ingressei no mundo.
Raramente um texto ficcional apresenta um resumo tão objetivo no primeiro parágrafo. O romance Em casa com Nabokov, escrito por Leslie Daniels, não é uma obra−prima, tampouco possui qualidades suficientes para obter considerável destaque no universo dos milhares de livros publicados anualmente. No entanto, por um desses mistérios que somente a vida consegue instaurar, está envolto por algum tipo particular de charme. O leitor perde a resistência e é fisgado pelo texto depois do segundo ou terceiro capítulo (todos muito curtos, centrados em situações cotidianas, jogando com a – falta de – paciência de um público que não gostaria de se deter em questões complicadas ou de difícil digestão).
Junto com essa particularidade, entra em cena outro predicado: a capacidade de driblar o peso histórico da tradição literária. Ninguém acrescenta impunemente ao título de um livro o nome de um autor consagrado. Ao contrário do que seria possível imaginar, os leitores mais refinados não se decepcionam ao perceber que esse pequeno truque publicitário não está muito distante do estilo sofisticado de Vladimir Nabokov (autor de Fogo pálido, Coisas transparentes, Gargalhada no escuro, Lolita, entre muitos outros). A história da mulher que encontra um manuscrito em uma gaveta, na casa que foi (alguns anos antes) habitada pela família do mestre russo, não está afastada dos temas (duplo, identidade, ruptura) que atormentaram Nabokov. Manipulando a dúvida gerada pela possibilidade do texto descoberto ser algum trabalho inacabado e inédito, a protagonista, Barbara (Barb) Barrett, adentra, elegantemente mal-vestida, em um cenário novo: o mundo editorial, as conferências universitárias e as relações confusas que envolvem as publicações literárias.
O romance acena para o dramalhão quando Barb perde a guarda dos filhos para o ex−marido canalha. Casamento sem amor raramente resulta em diferente desfecho. Felizmente, a tragédia se dilui no tom ligeiramente ingênuo, quase humorístico, que o texto vai adquirindo aos poucos. A narrativa em primeira pessoa (manejando as nuances que unem e separam o trágico e o farsesco) caminha − suavemente − na direção de uma solução que, inicialmente, não parecia ser possível. É uma jornada confusa, um pouco inverossímil, que talvez fosse mais plausível como componente do enredo de algum filme água−de−flor−de−laranjeira (esses que sempre são prazerosos de assistir no meio da tarde de sábado, na companhia da namorada).
A influência de Nabokov na narrativa é nula. Ele é apenas uma referência, um acidente de percurso, uma ponte ligando um estágio a outro. Essa característica deve ser entendida como mais uma vantagem em favor de Em casa com Nabokov. A literatura que transita pela metalinguagem sempre corre o risco de querer emular o estilo daquele que está sendo "homenageado" – inevitavelmente, esse esforço resulta em desastre.
Desastre não é uma palavra válida para definir Em casa com Nabokov. Agradável talvez seja uma escolha melhor. Divertido também é uma opção válida.
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