quinta-feira, 24 de novembro de 2011
JÔ SOARES FOI ESMAGADO PELOS DETALHES
O barroco está morto. O único escritor brasileiro que desconhece esse fato singular é Jô Soares. Sem saber escolher entre contar uma história e soterrar o leitor em miríade de detalhes supérfluos, aquele que um dia acreditou que o humorismo é uma forma de redenção da humanidade preferiu que a sua mais recente brochada, digo, brochura, As Esganadas, se transformasse em aborrecidíssimo depósito de penduricalhos da cultura inútil (ineficaz até para ajudar na solução de problemas de palavras cruzadas). Nenhuma novidade. No decadente e (cada vez mais) aborrecido programa de televisão que José (Eu/gênio) Soares apresenta nenhum convidado se importa de ter a palavra caçada para que o "gordo" possa o sufocar no exibicionismo produzido por micro−camada de verniz enciclopédico (provavelmente adquirida nas páginas inestimáveis do Almanaque Biotônico Fontoura).
As Esganadas é um texto mixuruca e que foi esticado até a exaustão. Se tivesse se contido entre 50 e 60 páginas estaria de bom tamanho. E, provavelmente, seria aceitável como peça literária. Infelizmente, o seu autor, emulando algumas das personagens que copiou de outros romances medíocres, não se conteve diante das guloseimas e multiplicou a área em que o tecido adiposo se concentra. Na hora da publicação, faltou um médico (ou um editor) para recomendar uma lipoaspiração básica.
A história de Caronte, o proprietário da funerária Estige, ambiciona ser o enredo de um thriller (para poder disfarçar o amontoado de lugares−comuns). Fracassa redondamente nos dois propósitos. Na impossibilidade de vingar as atrocidades maternas, um ridículo agente funerário estereotipado de seriado cinematográfico dos anos 30, no intervalo entre cigarros de haxixe e auto−aplicações de alucinógenos, resolve livrar o mundo de algumas gordas. E as entope de comida. Comprovando que sexo e gastronomia estão intimamente ligados, o orgasmo perverso do perverso impotente somente se realiza no momento em que as bem−nutridas vão comer capim pela raiz. Enfim, uma tara tão nojenta quanto qualquer outra.
E é isso. Ou deveria ser. Porque o autor, incapaz de se conter, acrescentou diversas histórias paralelas, quase todas dispensáveis. O detetive português é um personagem tão mal construído que parece ser semelhante a blefe de principiante. Além disso, serve como gancho para que o narrador possa contar o histórico trambique armado pelo bruxo inglês Aleister Crowley e o poeta lusitano Fernando Pessoa. O que isso tem a haver com a trama principal ninguém sabe ninguém quer saber.
Depois há uma transcrição da narrativa radiofônica do jogo de futebol entre Brasil e Itália, pela Copa do Mundo de 1938. Até mesmo como contraponto para mais um crime o episódio falha. Falta tempero – ou talento.
A aparição de algumas figuras históricas (Filinto Müller e Lourival Fontes, principalmente) beira o ridículo, tamanho o artificialismo que as envolve.
Por último, há Diana, repórter e fotógrafa da revista O Cruzeiro, que nada de muito importante faz na trama, exceto – talvez – contribuir com o charme. O fato de a moça terminar entre lençóis com o português só serve para reforçar a suspeita de machismo explicito.
Sem conseguir controlar o exibicionismo intelectual, o narrador (impessoal, em terceira pessoa) não economizou citações em latim, palavras em alemão, citações poéticas, descrições rebuscadas de ambientes (similares ao preciosismo defendido por Emile Zola) e informações acessórias. É o tédio! Somente superado quando o autor e o narrador perdem a direção e, imersos em confusão e non−sense, infiltram na narrativa o ridículo: Numa conversa animada digna da torre de Babel, os brasileiros apresentam a nossa cachaça ao alemão. Nossa? Nossa Senhora, como é que esse pronome denunciador apareceu do nada? Uma narrativa em terceira pessoa (ou seja, equidistante, sem envolvimento emocional com o que está sendo descrito) que não recebe filtro suficiente para evitar esses deslizes provavelmente é fruto de algum ego inflado, inflamado pela vaidade infantil.
Igualmente tolo é considerar As Esganadas como um texto engraçado. O humor não se fez presente nesse pastiche de narrativas policiais.
Salvo engano ou algum mecanismo psicológico perverso de consumo desenfreado, gastar R$ 36,00 com esse livro é jogar dinheiro fora.
P.S.: José (Eu/gênio) Soares já cometeu outros romances policiais. O Xangô de Baker Street é mediano. Os outros dois, O Homem que Matou Getúlio Vargas e Assasssinatos na Academia Brasileira de Letras são ruins.
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O "Xangô" está sendo relançado novamente pela Companhia.
ResponderExcluirESTOU APRENDENDO AINDA A ESCREVER MEUS CONTOS E CRÔNICAS ME VEJO AINDA LONGE DE UM TEXTO PERFEITO, ESSE SENHOR DA GLOBO TV JÔ SOARES DEVIA TER BOM SENSO DE NÃO MAIS PUBLICAR TAIS LIVROS POIS PREJUDICA PESSOAS COMO EU... OBRIGADO POR ABRIR OS OLHOS DE QUEM GOSTAM DE UMA BOA LEITURA! ABRAÇOS EDDY FANTASIA.
ResponderExcluirLucas: Pois é, e o Brasil cheio de escritores de verdade!
ResponderExcluirEddy: Obrigado pela leitura. Apareça e visite o blog!
ResponderExcluirEu nunca li um livro de Jô Soares pq não gosto do seu estilo de humor que humilha todo mundo. O único programa bom de Jô Soares : VIVA O GORDO, foi
ResponderExcluirproduzido pelo PITUCA( MOZART REGIS), catarinense, que foi meu contra-regras qdo eu fiz uma novela na radio GUARUJÁ. Além de pagar para participar de seu programa, ainda temos que nos humilhar diante do pseudomonumento jôsoares, enqto lá participam pessoas sem valor artístico nenhum, devem deixar uma boa grana. Seu programa como seus livros vêm piorando num crescendo. MUDE JÔ, ainda é tempo! - Marlene Vieira Perez - MPerez
Obrigado pelo comentário, Marlene! Beijos!
ExcluirExcelente análise, Raul. Aliás, sempre venho aqui ler suas resenhas e hoje senti vontade de dizer a você que o seu trabalho é ótimo, ajuda na reflexão sobre a literatura, dá-nos dicas muito legais sobre o que realmente vale a pena ler.
ResponderExcluirParabéns e um abraço!
Obrigado pelas leituras, Osair! Abraços!
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