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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

OS ESPIÕES, de Luis Fernando Veríssimo

A frase inicial de uma narrativa é tudo – ou nada. O leitor, se gostar da frase ou se for motivado pelas questões que o início do texto desperta, dificilmente abandonará o livro – sejam 50 ou 800 páginas. Se a abertura for insípida ou tola, o livro será fechado rapidamente, condenado a acumular mofo e poeira pelo resto de seus dias, provavelmente em alguma caixa, depositada no fundo da garagem, ao lado de outros objetos que ninguém quer.

Considerando-se algum possível valor para essa tese, Os espiões, o último romance de Luis Fernando Veríssimo, está fadado a se tornar um best-seller. E isso quer dizer que não será surpresa se camelôs e donos de sebos começarem a vender cópias piratas, multiplicando o acesso do povo letrado à essa, na falta de melhor expressão, obra-prima. Além disso, como um pequeno acréscimo na mecânica comercial, há o risco de Paulo Coelho se fechar em copas, recusando doutos comentários sobre tão expressivo sucesso – inveja, pura inveja!, dirão os jornalistas culturais, pagos para comentar essa nova e importantíssima polêmica literária!

Os espiões começa assim: Formei-me em letras e na bebida procuro esquecer. Paráfrase escrachada de um verso de O ébrio, música de Vicente Celestino, a engraçadíssima declaração, além de revelar que o narrador está embebido em ressentimento profissional, também identifica o público a que se destina.

Depois de ler 142 páginas, o leitor se pergunta: o que sobra além da primeira frase? Pouco, muito pouco. Exemplo típico de narrativa que não consegue superar a primeira frase, Os espiões resiste ao senso crítico se escondendo atrás de uma daquelas fórmulas mágicas que caracterizam o romance policial de “grife” (Raymond Chandler, Dashiell Hammett). Como essa esperteza não possibilita o resultado esperado, em ritmo gourmet das letras, o autor temperou o texto com o que imagina ser o azeite extra-virgem do thriller modernoso (John le Carré, por exemplo). Como o texto ainda continuava insosso, o toque final, ou melhor, o toque que deveria ser “genial” está na salada que resulta das várias formas narrativas articuladas com lugares-comuns, frases coloquiais, diálogos televisivos e texto profissional.

Sobre esse último item, convém lembrar que Veríssimo é um escritor talentoso, que não poupa esforço criativo em seus textos. Mas..., desta vez, o resultado final está escorado em uma série de personagens caricatos (muitos aparecem e desaparecem sem muita explicação), que se movem de maneira insensata no meio de uma série de bobagens – e que não dizem nada ao leitor mais exigente, exceto que deve fechar o livro em qualquer página e ir fazer algo mais produtivo.

Veríssimo é um escritor datado, que escreve para a classe média média, quase envelhecida, e que ainda mostra pretensões em ascender aos paraísos do consumo capitalista. Pensando especificamente nos leitores dessa faixa etária e social, Luis Fernando costuma rechear os seus textos com citações superficiais, gotículas de “alta cultura”, momento mágico de cumplicidade com um leitor que (nesses tempos em que o Google e a Wikipedia achatam a cultura) abastece a sua ignorância “pesquisando” na Barsa ou no Tesouro da Juventude. Referências sobre Henry James, Sylvia Plath ou os mitos gregos fazem parte do arsenal de truques com que o ilusionista literário diverte a platéia. E assim, embriagado por imaginária cumplicidade intelectual, o leitor devora o texto rapidamente, sem perceber a manipulação, ou se sentindo “o rei da cocada preta” porque está entendendo “tudo”.

Os espiões é apenas mais um texto de entretenimento, cujo maior defeito está em se parecer com o que Veríssimo faz melhor: crônica. No meio da narrativa, o leitor é tomado pela sensação de dèjá vu, o retorno a algo que é familiar e que, por alguma razão inexplicável, não se consegue identificar com claridade. Talvez isso seja uma tradução da evidente frustração do Luis Fernando Veríssimo: a incapacidade para escrever um romance policial “sério”. Como se estivesse condenado ao sofrimento de Sísifo (carregar eternamente uma pedra morro acima), Veríssimo repete ad aeternum temas que ele desenvolveu anteriormente (O jardim do diabo, Clube dos anjos, Borges e os orangotangos, além de centenas de textos ligeiros, com ou sem o Ed Mort).

Além disso, como uma falha grosseira em um escritor que ganha o pão com as risadas de seus leitores, falta humor. Contrastado com o romance mais divertido lançado nos últimos anos, Pornopopéia, do Reinaldo Moraes, Os espiões não passa de tolice infanto-juvenil. Enquanto o texto de Reinaldo Moraes é iconoclasta, politicamente incorreto e agressivo, o texto escrito por Veríssimo é quase carola, como se flertar com fantasias amorosas, mitos de salvar a dama em perigo, resultasse em algo engraçado – esquecendo que outros humoristas (ou o próprio Veríssimo) trabalharam essas situações em outras oportunidades, e de uma forma mais interessante.

Os espiões atinge o seu ponto máximo de inconsistência quando, sem nenhuma explicação razoável, o narrador resolve cultivar uma inoportuna abstinência alcoólica – mostrando que “a sério” o mundo não tem graça!

A grande lição que surge ao final da leitura é fornecida por um dos inúmeros personagens de Os espiões, o professor Fortuna: (...) em vez de endeusar escritores, deveríamos louvar os milhões que resistem e não escrevem, e cuja grande contribuição à literatura universal são as folhas que deixam em branco.

Resumo da ópera: presentearei algum desafeto com o meu exemplar de Os espiões.

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