quarta-feira, 30 de novembro de 2011
O LUGAR DA CRÍTICA
Certa vez, lá por 2000, um dos meus colegas do Doutorado entrou em sala de aula com uma pilha de livros debaixo do braço. Exemplares de sua última publicação. Um romance. 250, 300 páginas. Alegre e saltitante, o autor distribuiu a obra−prima entre os colegas. Fiquei contente por não ter sido agraciado com a honra.
Infelizmente, a história não termina aqui. Infelizmente, houve continuação. E não foi o que se poderia chamar de happy end. Depois do turno da manhã, fui almoçar com vários colegas de turma e uns dois professores. Estávamos terminando quando o escritor apareceu e começou a conversar conosco. Nada importante. Trivialidades acadêmicas.
Em algum momento, ele se virou para mim e, com a voz trêmula, disse:
− Espero que você não tenha ficado zangado por não ter recebido um exemplar do meu livro.
− Nenhum problema.
− É que você não gosta de nada e achei melhor evitar constrangimentos.
Evitar constrangimentos, disse ele. Demorei uns dois ou três segundos para entender a que ele estava se referindo. Embora aquele você não gosta de nada fosse uma boa dica. Se o sujeito não tivesse comentado o assunto, a vida continuaria em tranqüila monotonia. Aquela justificativa tola, própria de quem tem problemas para administrar a paupérrima auto−estima, me obrigou a reagir desproporcionalmente.
− Muito obrigado! Não é todo dia que alguém me poupa de vários constrangimentos. Você me poupou do constrangimento que é ler essas porcarias que você escreve. Você me poupou do constrangimento de emitir uma opinião publica sobre esse lixo que você chama de literatura. E, principalmente, impediu que eu me constrangesse ao ter que jogar na tua cara o quanto você é insignificante. Muito obrigado!
Nesse momento, uma amiga puxou o meu braço, lembrando−me que a vida social implica em limites e hipocrisia. Virei o corpo para poder falar com ela. Foi o suficiente para que a vítima desaparecesse de cena.
Como nunca mais conversei com aquela celebridade do mundo literário catarinense, provavelmente fiz mais um inimigo. Embora não esteja orgulhoso com o desfecho do episódio − nem poderia estar −, nunca o esqueci porque constitui um divisor de águas na minha vida.
Estou a recordar essa história porque a partir daquele instante, utilizando as mínimas ferramentas de que disponho, optei por me divertir com os medíocres.
Recentemente, como se tivesse acertado o primeiro prêmio da loteria, ganhei mais um punhado de desafetos. Incapazes de entender que as relações humanas azedam na indiferença, alguns humilhados e ofendidos fizeram beicinho quando escrevi e publiquei diversos textos ácidos. Provavelmente, sonhavam com tapinhas nas costas e elogios de primeira grandeza. Interessante. Como dizia um dos meus santos de devoção, mestre Paulo Francis, A carência sexual das pessoas não cessa de me espantar.
Historicamente, a tarefa da crítica cultural está ligada intelectualmente ao estabelecer o lugar adequado para um objeto, distinguindo-o entre outros objetos de mesmo valor. Essa postura amplia a compreensão, os níveis de comparação e fornece, sobretudo, uma opinião técnica sobre o que está sendo analisado.
Embora esse ordenamento seja discutível, assiduamente frágil, não é possível ignorar que, em condições ideais, deveria estar longe do comprometimento passional. Muitas vezes não é possível atingir esse objetivo. O critico é humano – passível, portanto, de ser influenciado por milhares de fatores externos.
Ao mesmo tempo, quando comete excessos (e eles acontecem com maior freqüência que o desejado), é parte da tarefa crítica saber pedir desculpas. Não é nenhum desastre. Melhor se retratar do que se omitir.
Isso posto, nunca é demais lembrar que a crítica não deve compactuar com os sinônimos da destruição. A crítica não é (e nunca foi) o contrário do elogio.
Se concordamos ou não com essa postura é outra conversa. Ou melhor, é motivo para que a conversa continue – é o diálogo que estabelece o entendimento. Desta forma, a crítica está vinculada à existência, na outra ponta, da recepção. É o leitor e a sua reação ao texto crítico que valorizam ou desqualificam o trabalho de análise. Nestes tempos a−pós−o−moderno, seja através de alguma mensagem eletrônica, seja por meio de algum artigo contestando ou acrescentando argumento(s), o ciclo intelectual se completa.
Quanto aos elogios, se é que alguém está realmente interessado nisso, recomenda−se o abandono dos artigos de opinião. Melhor concentrar a leitura nas colunas sociais – que estão aí exatamente para isso (desde que, óbvio, sejam bem remuneradas. Nada é mais inútil do que o puxa−saquismo gratuito).
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Caro Raul, Gostaria de ler o livro do seu colega de doutorado. Qual o nome do autor e do livro? Obrigado.
ResponderExcluirÉ Amigo Raul! Como uma Chata eleita por vários desafetos e com vasta experiência no terreno da Incomodação, posso dizer que você é um Chato. Mas a nós seres terrivelmente chatos e incomodantes, resta uma frase da Amiga Clarice: " Quando a pessoa nasce para ser insuportável, não dá para mudar isso..."
ResponderExcluirUm brinde aos insuportáveis!