Páginas

terça-feira, 12 de maio de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (LI)




As ameaças de expansão espanhola (castelhana) no sul do Brasil causavam calafrios em Luiz António de Souza Botelho e Mourão, Morgado de Matheus, governador de São Paulo entre 1765 e 1775. Para tentar impedir esses avanços, ordenou que António Correa Pinto de Macedo organizasse uma expedição e, quando fosse possível, fundasse um povoado em terras primitivas. Isso aconteceu em 22 de novembro de 1776, depois de alguns imprevistos. A vila de Nossa Senhora dos Prazeres dos Certões e dos Campos das Lagens, 916 metros do nível do mar, situada no atual Planalto de Santa Catarina, serviu ao propósito primeiro, mas também contribuiu para a extinção de várias tribos indígenas (Kaigangs e Xoklengs).

Com o passar do tempo, o vilarejo sofreu várias alterações.  Com o transito intenso de viajantes, comerciantes de gado e muares, surgiu um entreposto comercial. As famílias dos fundadores, pela primeira vez, se misturam com pessoas sem o mínimo interesse no desenvolvimento da região.

Nos períodos do Império e da República, novas mudanças: o Planalto se transformou em terra de coronéis políticos e de fazendeiros indolentes. O voto de cabresto se tornou prática corrente – os opositores eram eliminados rapidamente (subornos, agressões físicas e psicológicas).

A prosperidade financeira aconteceu entre os anos 40 e 60 do século passado, com o apogeu do ciclo da madeira. Imensos pinheirais foram derrubados e transformados em dinheiro. Essas fortunas (descontada a parte que foi gasta com cavalos lerdos e mulheres ligeiras) serviram para comprar imóveis no litoral, Florianópolis e Itapema.

A fuga de capital pode ser vista como metáfora do extrativismo selvagem. E que está de acordo com o pensamento das classes dominantes – que adoram negar as origens coloniais. A isso se acresce outro item: a xenofobia. O trabalho pesado das serrarias foi executado por descendentes de italianos, vindos do norte do Rio Grande do Sul. A invasão dos gringos assustou as famílias tradicionais, que preferiram imigrar a se misturar com gente grossa e mal educada. Resultado: a população original desapareceu na poeira do tempo. Foram tragados pelo descaso ou pelo orgulho.


Esse resumo historiográfico serve de moldura para dizer/escrever uma pequena bobagem. Está frio, mais ou menos uns 15º C. Essa mudança climática é uma forma de reconhecer a cidade em que nasci. Vou tirar as cobertas do armário. Será uma noite fria e quente (nosso paradoxo de Schrödinger particular).

Pela janela do escritório, vejo o céu acinzentado, as nuvens carregadas – anunciando chuva. O meteorologista, na televisão, concordou com esse diagnóstico. Nas próximas horas será ainda mais gelado. Digo isso como se estivesse recebendo uma dádiva.  Aqueço as mãos na xícara de chá.

Amanhã, vou sentir prazer em ficar em casa. Vou ver a chuva escorrer pela avenida. Provavelmente lerei algum romance policial ou de ficção científica. Deitado no sofá, enrolado em cobertor, deixarei a tarde se esvair, suavemente.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário