Dorme-se melhor quando não se sabe como
se fazem linguiças e política. A frase atribuída ao Chanceler Otto Von
Bismarck (1815-1898) contém mais verdades do que podem imaginar os experts que
pavoneiam nas redes sociais conhecimentos que não dominam.
Assistir o vídeo integral da reunião
ministerial de 22 de abril é castigo que somente deve ser impingido aos que
possuem estômago forte. Uma seleção dos “melhores momentos” mostra-se
suficiente para assustar quem acredita que a boa educação deve
prevalecer nas discussões governamentais. A liturgia do cargo, reivindicada
pelos moralistas, não existe. Os bárbaros atravessaram os portões da cidadela.
Emulando Salò, ou os 120 dias de Sodoma (Dir. Pier Paolo Pasolini, 1976), a reunião abrange grau extremo de perversão
(sexual, inclusive, como pode atestar algum calouro de psicologia). A
quantidade de crimes que foram cometidos na reunião ultrapassa a imaginação mais criativa. Considerando a possibilidade de estarmos
vivendo em um regime democrático, as ameaças aos Ministros do Supremo Tribunal
Federal, Governadores e Prefeitos configuram flagrante desrespeito aos poderes
constituintes do Estado brasileiro e devem originar medidas
judiciais proporcionais às agressões verbais (de acordo com diversas tipificações no Código de Processo Penal). Nesse momento, vários escritórios de advocacia devem estar
trabalhando nessas ações. A proposta de burlar o ordenamento legislativo em
relação ao meio ambiente constitui crime de responsabilidade e a Câmara de
Deputados e o Senado devem se manifestar, em momento oportuno, exigindo
explicações.
E a alusão ao armar parte da população
para uma possível guerra civil? E a milícia particular (paralela à Polícia
Federal e à ABIN), que informa o poder sobre o que está acontecendo no país? Não
seriam estes também crimes de responsabilidade?
Além de tamanhas atrocidades, que
retratam com perfeição o conceito de banalidade do mal, percebe-se que os
participantes da reunião ostentam extenso vocabulário sem conteúdo. Misturando
palavras de baixo calão e bajulação explicita, parecem estar no botequim da
esquina tomando cachaça e falando bobagens sobre futebol (que é a esfera onde,
aparentemente, tudo é permitido).
Como disse, certa vez, Tom Jobim (1927-1994), O Brasil não é para principiantes. Sabia o ilustre músico que o olhar de
esperança sofre de miopia. Em outras palavras, não enxerga um palmo diante do
nariz. A realidade, embaçada pelo idealismo, exige mais do que um par de óculos
de grau.
Obra inacabada, sempre na espera de um
salvador da pátria (e que se revela uma fraude similar à fraude anterior), o
Brasil não possui linhagem. Orgulha-se de vestir a casaca de vira-latas. Para
combinar com o traje, desconhece o passado, desperdiça o presente e não imagina
alguma possibilidade no futuro. Enfim, gosta de encenar – sempre que possível –
alguma ópera-bufa. Os músicos da orquestra sem o mínimo entrosamento com os
cantores. O tal samba do crioulo doido, mas sem ritmo, sem alegria, sem samba,
sem crioulo, repleto de loucura. Esse proceder confirma a frase certeira do
economista Roberto de Oliveira Campos (1917-2001), Bob Fields para os íntimos, o Brasil não corre o menor risco de dar certo.
O que se viu no vídeo da reunião
ministerial não é mera demonstração de inabilidade política e administrativa. É
o contrário. Todas aquelas pessoas estão empenhadas em destruir o país – e da
maneira mais competente possível. A ausência de referências à crise sanitária,
causada pelo Covid-19, indica que, nesse naufrágio iminente, nada mais resta senão se dirigir aos botes salva-vidas (claro, não há lugar para todos,
alguém tem que morrer, antes ele do que eu, etc. e tal).
Falta ao Brasil entender que, nas palavras do escritor
português José Maria Eça de Queiroz (1845-1900), políticos e fraldas devem ser
trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo.
Estamos a deriva... Mas parafraseando a eterna Clarice"perder-se também é caminho" . Espero!
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