Encontrei uma aranha passeando pelo chão
da cozinha. Tamanho médio – se considerarmos tarântulas como parâmetro para o
que se pode avaliar como grande. Esse tipo de visita não é frequente, mas
também não é novidade. A diferença é que as outras eram menores. Como nada
entendo de entomologia ou de etologia, fiquei, momentaneamente, sem saber o que
fazer.
Muitas pessoas não hesitariam em resolver
o impasse com uma chinelada. Depois, com ligeiro nojo, limpariam o calçado,
amaldiçoando os animais que não respeitam os avanços imobiliários da
civilização.
Meu budismo de quinta categoria sussurrou
que somente encontraremos a harmonia do universo se aceitarmos a filosofia do
viver e deixar viver. A aranha foi salva pelo gongo, digo, pelo satori. Com toda a calma que
esse tipo de operação exige, depois de várias tentativas, consegui colocar o
aracnídeo em uma folha de papel. Cuidando para que não caísse no meio do caminho,
o levei até a sacada e o joguei no terreno baldio que há ao lado do prédio.
Que a natureza decida o teu destino, ó ilustre
parente distante do Peter Parker!
Esse episódio banal fez com que
recordasse uma história familiar que estava escondida em alguma gaveta da
memória. Aconteceu na infância. Meu irmão (quatro anos mais novo do que eu), não
sei como, descobriu que nosso pai tinha um calcanhar de Aquiles: aracnofobia,
ou seja, medo de aranhas. Por um desses mistérios da existência humana, o homem
que nos assustava apenas com o som de sua voz se transformava em gelatina diante
do octópode.
Meu irmão fez alguma bobagem substancial,
não lembro o que foi, e minha mãe, como era usual, delegou ao marido a tarefa
de “premiar” o infrator. Naquele dia, provavelmente, as coisas não tinham sido
boas no trabalho do pai. Ele chegou em casa furioso. Mal soube do problema, foi
tirando a cinta da calça. O rapazinho iria levar uma surra memorável.
Nem sempre as coisas transcorrem de
acordo com a lógica cartesiana. Fingindo não estar com medo, o menino abriu a
caixa de fósforos que estava em sua mão e lançou a teia (provavelmente tecida
com a paciência de quem quer ganhar o jogo). Como se fosse uma mosca desatenta,
o pai não foi capaz de perceber o presente de grego. Pegou a caixa e viu, horrorizado,
a aranha. O cinto caiu no chão.
Alguns dias depois ocorreu o ajuste de
contas. No pagamento, houve cobrança de juros e correção monetária. O motivo
inicial para o castigo estava esquecido, aliás, não importava mais. Os gritos
de dor foram uma espécie de tributo exigido como compensação pelo medo que o
menino havia causado no adulto.
Para o bem ou para o mal, a lição foi
dupla. Um aprendeu que há limites para o que se pode fazer para tentar fugir
das punições; o outro, que a violência se manifesta de inúmeras formas e,
muitas vezes, pode machucar bem mais do que a agressão física.
Qual foi o ensinamento maior? O pai nunca mais aceitou
qualquer coisa vinda do meu irmão.
Morro de medo de aranhas!
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