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segunda-feira, 25 de maio de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (LXIV)


Encontrei uma aranha passeando pelo chão da cozinha. Tamanho médio – se considerarmos tarântulas como parâmetro para o que se pode avaliar como grande. Esse tipo de visita não é frequente, mas também não é novidade. A diferença é que as outras eram menores. Como nada entendo de entomologia ou de etologia, fiquei, momentaneamente, sem saber o que fazer.

Muitas pessoas não hesitariam em resolver o impasse com uma chinelada. Depois, com ligeiro nojo, limpariam o calçado, amaldiçoando os animais que não respeitam os avanços imobiliários da civilização. 

Meu budismo de quinta categoria sussurrou que somente encontraremos a harmonia do universo se aceitarmos a filosofia do viver e deixar viver. A aranha foi salva pelo gongo, digo, pelo satori. Com toda a calma que esse tipo de operação exige, depois de várias tentativas, consegui colocar o aracnídeo em uma folha de papel. Cuidando para que não caísse no meio do caminho, o levei até a sacada e o joguei no terreno baldio que há ao lado do prédio.

Que a natureza decida o teu destino, ó ilustre parente distante do Peter Parker!



Esse episódio banal fez com que recordasse uma história familiar que estava escondida em alguma gaveta da memória. Aconteceu na infância. Meu irmão (quatro anos mais novo do que eu), não sei como, descobriu que nosso pai tinha um calcanhar de Aquiles: aracnofobia, ou seja, medo de aranhas. Por um desses mistérios da existência humana, o homem que nos assustava apenas com o som de sua voz se transformava em gelatina diante do octópode.

Meu irmão fez alguma bobagem substancial, não lembro o que foi, e minha mãe, como era usual, delegou ao marido a tarefa de “premiar” o infrator. Naquele dia, provavelmente, as coisas não tinham sido boas no trabalho do pai. Ele chegou em casa furioso. Mal soube do problema, foi tirando a cinta da calça. O rapazinho iria levar uma surra memorável.

Nem sempre as coisas transcorrem de acordo com a lógica cartesiana. Fingindo não estar com medo, o menino abriu a caixa de fósforos que estava em sua mão e lançou a teia (provavelmente tecida com a paciência de quem quer ganhar o jogo). Como se fosse uma mosca desatenta, o pai não foi capaz de perceber o presente de grego. Pegou a caixa e viu, horrorizado, a aranha. O cinto caiu no chão.  



Alguns dias depois ocorreu o ajuste de contas. No pagamento, houve cobrança de juros e correção monetária. O motivo inicial para o castigo estava esquecido, aliás, não importava mais. Os gritos de dor foram uma espécie de tributo exigido como compensação pelo medo que o menino havia causado no adulto.

Para o bem ou para o mal, a lição foi dupla. Um aprendeu que há limites para o que se pode fazer para tentar fugir das punições; o outro, que a violência se manifesta de inúmeras formas e, muitas vezes, pode machucar bem mais do que a agressão física.

Qual foi o ensinamento maior? O pai nunca mais aceitou qualquer coisa vinda do meu irmão.     

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