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sexta-feira, 15 de maio de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (LIV)



Estou vivendo uma versão particular do mito de Sísifo. Lavar a louça, varrer o apartamento, trocar a roupa de cama, limpar o banheiro, levar o lixo para fora equivalem a um carregar pedra até o lugar mais alto da montanha. Ao chegar ao cume, movida por alguma força sobrenatural, a pedra rola até o sopé. Então, é necessário descer a montanha e começar tudo de novo. Isso se repete ad infinitum.

Se a quarentena não for resolvida nos próximos dias, digo, meses, essa tragédia grega, versão contemporânea, pode se arrastar até o fim do mundo. Só de pensar nisso, o meu  emocional se descontrola. Quer dizer,...

Como todo canastrão, vou continuar a fingir que nasci para ser dono de casa, que não me abalo com nada, que sei distinguir os diferentes tipos de sabão em pó e que o detergente com aroma (artificial) de limão é melhor que o de lavanda.   

Alguém há de lembrar que as mulheres sentem essa sensação diariamente. O serviço doméstico nunca termina. Concordo. E me solidarizo. Sinceramente, gostaria de fosse criada uma geração de robôs capaz de nos libertar dessa escravidão. Lavar louça é muito desagradável! En passant, entendi porque é importante visitar a manicure regularmente. Varrer o apartamento é tarefa infindável (Onde será que está o aspirador de pó? Preciso encontrar esse desaparecido!). Mal você termina o serviço e – que legal! – descobre que tem sujeira exatamente na tua frente, apesar de ter limpado aquele lugar dez minutos antes. Banheiro de homem é um caso diferenciado. E não estou me referindo, especificamente, ao odor. Aliás, não estou centralizando a conversa em nenhum ponto específico. Porque não é possível fornecer destaque para essas questões. Tudo é ruim.

Gostava mais de ficar em casa quando a ilustre Assistente para Assuntos de Limpeza Doméstica (AALD), por modesta quantia, resolvia esses aborrecimentos para mim. Infelizmente, não posso contar com essa eficientíssima colaboração no momento. O Covid-19 nos separou.

Algumas vezes penso em telefonar para ela. Só para ouvir a sua voz.  Desisto quando lembro que – aproveitando esse meu momento desajeitado de ternurinha –, ela não perderá a chance de proferir umas poucas e boas a meu respeito. Pois é, a ilustre AALD é do tipo sem cerimônia, sem papas na língua! Adora dizer que eu não consigo fazer nada certo e que sobra para ela consertar as minhas bobagens. E vai enumerando, sem parar, o que não está em acordo com o que acha que é certo. É de ficar zonzo. Nessas horas, abaixo a cabeça e me escondo no escritório.

Não telefonarei. Vou deixar a vontade em suspensão. Preciso ser forte. Ou parecer forte. A pilha de louças sujas me espera.



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