Estou vivendo uma versão particular do
mito de Sísifo. Lavar a louça, varrer o apartamento, trocar a roupa de cama, limpar
o banheiro, levar o lixo para fora equivalem a um carregar pedra até o lugar
mais alto da montanha. Ao chegar ao cume, movida por alguma força sobrenatural,
a pedra rola até o sopé. Então, é necessário descer a montanha e começar tudo
de novo. Isso se repete ad infinitum.
Se a quarentena não for resolvida nos
próximos dias, digo, meses, essa tragédia grega, versão contemporânea, pode se arrastar até o fim do mundo. Só de pensar nisso, o meu emocional se descontrola. Quer dizer,...
Como todo canastrão, vou continuar a
fingir que nasci para ser dono de casa, que não me abalo com nada, que sei
distinguir os diferentes tipos de sabão em pó e que o detergente com aroma (artificial)
de limão é melhor que o de lavanda.
Alguém há de lembrar que as mulheres
sentem essa sensação diariamente. O serviço doméstico nunca termina. Concordo.
E me solidarizo. Sinceramente, gostaria de fosse criada uma geração de robôs
capaz de nos libertar dessa escravidão. Lavar louça é muito desagradável! En passant,
entendi porque é importante visitar a manicure regularmente. Varrer o apartamento
é tarefa infindável (Onde será que está o aspirador de pó? Preciso encontrar
esse desaparecido!). Mal você termina o serviço e – que legal! – descobre que
tem sujeira exatamente na tua frente, apesar de ter limpado aquele lugar dez
minutos antes. Banheiro de homem é um caso diferenciado. E não estou me
referindo, especificamente, ao odor. Aliás, não estou centralizando a conversa
em nenhum ponto específico. Porque não é possível fornecer destaque para essas
questões. Tudo é ruim.
Gostava mais de ficar em casa quando a
ilustre Assistente para Assuntos de Limpeza Doméstica (AALD), por modesta
quantia, resolvia esses aborrecimentos para mim. Infelizmente, não posso contar
com essa eficientíssima colaboração no momento. O Covid-19 nos separou.
Algumas vezes penso em telefonar para
ela. Só para ouvir a sua voz. Desisto
quando lembro que – aproveitando esse meu momento desajeitado de ternurinha –,
ela não perderá a chance de proferir umas poucas e boas a meu respeito. Pois é,
a ilustre AALD é do tipo sem cerimônia, sem papas na língua! Adora dizer que eu
não consigo fazer nada certo e que sobra para ela consertar as minhas bobagens.
E vai enumerando, sem parar, o que não está em acordo com o que acha que é
certo. É de ficar zonzo. Nessas horas, abaixo a cabeça e me escondo no
escritório.
Não telefonarei. Vou deixar a vontade em
suspensão. Preciso ser forte. Ou parecer forte. A pilha de louças sujas me
espera.
Gosto muito de ler seus textos. Esses da quarentena estão ótimos.
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