Domingo de sol. Depois do almoço, coloquei
uma cadeira na sacada. Fiquei lendo. Como trilha sonora João Bosco no festival
Jazz San Javier, 2018 – acessei pelo YouTube. Usei fones de ouvido. Para evitar
aborrecer os vizinhos, provavelmente adeptos de outros estilos musicais.
Tive por companhia Teresa Viegas, uma
portuguesa que ninguém sabe quem é. Mais um caso de escritor(a) que se esconde
atrás de pseudônimo. O pouco que é de domínio público equivale a quase nada.
Nasceu em 1945 e se formou em direito em 1968. Publicou sete livros. Com os
contos de Uma Aventura Secreta do Marquês de Bradomín, de 2008, ganhou o
Grande Prêmio de Conto Camilo Castelo Branco.
Alguém (quem?) fez alguma referência.
Não lembro onde li isso, nem em que termos, mas faz algum tempo. Anotei o nome
da escritora e fui procurar na Estante Virtual (que é uma espécie de baú do
tesouro para quem gosta de livros). Descobri que dois dos seus livros foram
publicados no Brasil. Comprei “As Enganadas” e “Uma Aventura Secreta do Marquês
de Bradomín”. Foi barato. Não somaram R$ 33,00 os dois volumes, frete incluído.
Parece que não há grande procura pela ilustre contista lusitana.
Neste momento, está à venda um terceiro
título, livro importado, R$ 238.19. Creio que é justo pagar esse valor. Com o €
cotado em aproximadamente R$ 6.25, basta multiplicar ou dividir, a escolha é do
freguês, e temos, salvo engano, míseros € 38. Recusei a compra. Discordei daqueles
R$ 0.19, que me pareceram um abuso.
Outro dia, os olhos passeando pelos
escritores portugueses que habitam uma das estantes, vi os dois livros. Estavam
adormecidos a mais de seis meses. Algo me disse que era hora de lê-los. Que
assim seja, respondi ao chamado. Li primeiro o livro galardoado. E com
dicionário por perto, pois, como é de conhecimento geral, embora o idioma seja
comum, o vocabulário é estranhamente diferente. Palavras que não são de uso
corrente deste lado do oceano (berma, cirieiro, telemóvel, alfarroba, etc.) atravessam o texto com bastante
assiduidade.
Impressionou-me a facilidade com que o
texto se estabelece o pacto entre o narrador e o leitor. Aquele que conta o que
quer contar, manejando o fluxo de informações, raramente consegue se aproximar
do leitor. A história é somente dele, o leitor é mero espectador. Com o texto
de Teresa Veiga não é assim, parece que ela, a escritora/narradora, está
conversando com o leitor. O distanciamento, se existe, é mínimo. Apoiada na
escassez de diálogos, vai envolvendo o leitor com a mesma tenacidade com que a
aranha tece a teia que capturará a mosca.
Os contos de As Enganadas foram
devorados – se é que posso usar essa expressão. Encantei-me, em especial com A Morte do
Jardineiro, uma narrativa que coloca em xeque o machismo, subvertendo as
aparências, mostrando que é possível construir as relações afetivas através do
jogo intelectual. Os argumentos que o marido usa para interpretar o fim do
casamento são absurdamente adolescentes e se contrapõem ao racionalismo da
esposa que – inesperadamente – emerge de uma vida de submissão.
Resumindo, não posso dizer que gostei
dos dois livros, como um todo. Creio que gostei de alguns contos. As Parcas que está em Uma Aventura Secreta do Marquês de Bradomín também é de alta
qualidade, a vida interior sendo esmiuçada com perícia e um pouco de crueldade.
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