Seis da manhã. Depois de uma rápida passada
no banheiro, fui ver a garoa. A poesia estava lá, escorrendo pelos vidros da
janela. Infelizmente, similar a alguns poemas, os versos eram poucos. Ficou um
gosto de quero mais.
A chuva terminou bem antes do almoço. Foi caso de dizer que nem
tudo está perdido. A cidade continua plúmbea, as nuvens carregadas impedem a luminosidade.
Deve chover mais um pouco no final da tarde. Este é o meu prognóstico. O
sistema meteorológico oficial de Santa Catarina discorda, inclusive projeta sol
para amanhã. Fazer o quê? Fico torcendo para que a análise do clima siga o
exemplo das previsões dos economistas e se mostre errada.
Paulo Francis, em um daqueles momentos tipicamente
Paulo Francis, escreveu que Chuva é bom para as colheitas, mas eu não sou colheita.
Claro que ele não era um vaso de flores ou uma plantação de trigo. Não tinha que
se preocupar com os níveis pluviométricos ou com os resultados da safra de grãos. Salvo
engano, ele só usava a água para diluir o uísque. O que, vá lá, não invalida a
opinião.
É fato que, nestes tempos de pandemia, a
gripe é um risco. As baixas temperaturas, em conjunto com a umidade,
aumentam as chances de espirros, coriza e febre. Isso me faz lembra que segunda-feira
tomei a vacina dos velhos. O ilustre herdeiro me levou no posto de saúde.
Docemente constrangido, admiti para a atendente que ultrapassei a barreira dos 60
quilômetros por hora nesta longa jornada da vida.
Noves fora, zero, como dizia minha avó. Tenho simpatia pessoal
pela chuva. Em tempo pretérito abordei o tema em várias crônicas. Em uma delas,
escrevi:
Houve um tempo em que o mundo infanto-juvenil de minhas ilusões se transformava. Paradoxalmente, o espaço físico da casa onde morávamos ficava maior. Antes da chuva, só havia o quarto e a cozinha (não tínhamos televisão). As outras dependências eram intocáveis. A sala, sempre preservada, mal começava a garoar, era invadida por xerifes implacáveis e ladrões de trem em fuga. às vezes, bandos de árabes taciturnos demarcavam o terreno entre o sofá e a mesa de jantar. Isso para não mencionar os bandeirantes exterminadores de bugres que viviam ameaçando abrir todas as portas dos armários, na procura ensandecida de suas presas. Tiros de pistola e metralhadora se confundiam com o choro nervoso de minhas irmãs. A mãe sempre reclamava do tempo e dos filhos. Tome cuidado! Não bata na cristaleira! Meu Deus do céu, menino, esse vaso foi presente de tua avó! E com as mãos na cabeça, atravessava o dilúvio doméstico e meteorológico com um interminável rosário de lamentos.
Depois dessa agitação toda, para acalmar
os filhos, ela preparava bolinho frito (bolinho de chuva), nescau, vitamina
de banana. Nos momentos mais desesperadores, premiava os filhos com tapas na
bunda ou puxões de orelha.
Obviamente, todo esse esforço não resolvia a
situação. O sossego era raro. As partidas de damas, dominó, mico-preto, pega-varetas,
rapidamente perdiam a graça. Tudo voltava a ser bagunça. Dona Vina suspirava
aliviada quando podia mandar os filhos brincar na rua. A vida era uma aventura.
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