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domingo, 31 de maio de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (LXX)




Se for necessário, vou vasculhar os porões da internet. Preciso descobrir uma maneira de eliminar as manchas que aparecem “do nada” no chão da cozinha. São, guardadas as devidas proporções, as ervas daninhas do meu (metafórico) jardim doméstico.

Tem tutorial para tudo no mundo virtual. Se o sujeito quiser pregar botão na camisa ou jogar bolinha de gude, basta escolher o tema e acionar o Google. É o que vou fazer. Deve existir algum que indique como resolver esse enigma. Deve ter.

Estou ficando cansado de passar pano molhado, ver o chão brilhando (desculpe, brilhando talvez seja um exagero), e algum tempo depois, para meu assombro, lá estão elas, as manchas, em lugares diferentes. Será que caminham? Estou começando a suspeitar de alguma conspiração.

Ou então estou passando por alguma síndrome decorrente do isolamento social. Há relatos de casos em que o sujeito, em caso de grande estresse, começa a ver fantasmas persecutórios a todo instante. Não creio que seja a minha situação. Inclusive porque não estou com algum tipo de cansaço mental ou me sentindo isolado do mundo. Digo isso porque não estou cumprindo o isolamento de forma integral. Pelo menos uns dois dias por semana vejo gente no supermercado, na farmácia, no banco, na padaria. Sempre de máscara, sempre untado em álcool gel.

O ponto fulcral talvez seja outro. Quando iniciei esse regime de autoexílio, quarentena para os íntimos, pensei em usar o tempo livre para escrever, talvez colocar ponto final naqueles dois ou três ensaios literários que vivo ensaiando e que nunca termino. Triste ilusão. Cuidar da limpeza do apartamento rouba muito tempo. Mas, não é só isso. Estou dormindo tarde, acordando tarde. Em dias de sol, coloco uma cadeira na sacada e fico lá, sentado, lendo, ouvindo música, olhando os carros que passam pela avenida. Quando volto à frente do computador não há mais tempo para fazer o que deveria fazer.



A preguiça é a mãe de todos os males, dizia minha avó. Sim, sofro desse mal. Deixar para depois de amanhã o que deveria fazer amanhã é um prazer indescritível. Nunca tive a mínima vontade de obedecer aos prazos. Evidentemente, isso me causou algumas dificuldades no trabalho e na vida pessoal. É outro item que preciso contabilizar nas ações, quer dizer, na falta de ações do dia a dia.

Com a caneca de chá na mão, olho para as manchas no chão da cozinha e me sinto incompetente. Provavelmente a solução é simples e fácil. Falta-me expertise. Será que posso preparar uma solução com água sanitária diluída (1/100, 1/1000)? Que tal usar um pouco de sabão em pó? Vale diluir detergente em água? Talvez cada uma dessas tentativas de solução sirva para aumentar o problema. Por que não fui ao supermercado e comprei um daqueles produtos tóxicos que resolvem todas as dificuldades possíveis?

Caso a Internet não forneça uma resposta satisfatória à questão, nada mais me restará senão implorar auxílio à famosa e fabulosa Assistente para Assuntos de Limpeza Doméstica (AALD). Ela, com certeza, vai rir em alto e bom som dos meus desacertos. Nenhuma novidade. Essa cena está se tornando repetitiva. Tenho dificuldades para ser domesticado nos rituais domésticos. De qualquer forma, recebo lições todos os dias.          

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