A notícia de que Aldir Blanc estava
internado em hospital me fez retirar da estante alguns de seus livros.
Aproveitei e reli o Porta de Tinturaria e Um Cara Bacana na 19ª. Foi bom reencontrar
aqueles personagens malucos que vivem – eternamente – na Rua dos Artistas:
Lindauro e Deyse, Waldyr Iapetec e o terrível Walcyrzinho, Ceceu Rico, o
militar reformado que, a todo instante, ameaça colocar a tropa na rua. Enfim, a
fauna e a flora em delírios de cama, mesa e banho, sem esquecer o principal objetivo
da vida, a diversão (nos áureos tempos talvez fosse o Vasco).
Tragédias e comédias suburbanas na ponta
do lápis (da caneta, do computador). As crônicas, os contos, as letras de músicas
retratando a realidade burguesa e os sonhos de uma noite de verão (incluindo nesse
pacote as namoradas da juventude e inúmeros casos de adultério), a obsessão
compulsiva por remédios, os pequenos detalhes diários que transformam nossas
vidas em um baile de máscaras (colombinas, pierrôs, arlequins, música e o medo
de terminar a noite sozinho). Em resumo, era um mestre na arte de mostrar
aquilo que o humor tem de mais corrosivo: expor ao ridículo cada uma das
situações cotidianas. E, nesse tom, nunca perdeu a chance de soltar um
palavrão, ciente de que a linguagem não pode ter escrúpulos. Ao mesmo tempo, Aldir,
como compete a um eterno apaixonado pela vida, nunca negou o lirismo. Ao contrário, em suas
narrativas, os corações combalidos, as almas em conflito, sempre encontraram
guarida.
João Bosco e Aldir Blanc, |
Em fevereiro de 1997, cometi o desatino
de resenhar Um Cara Bacana na 19ª para A Notícia (Joinville, SC). Recupero
um trecho, como prova de admiração pelo cara: Sucesso de público e vendas.
Entre os amigos, of course. O triste dessa história é que eles são muitos,
milhares. E o livro é bacana, bacanérrimo, um verdadeiro bacanal de humor. Piadas
ótimas, daquelas que, sabe como é que é, né?, você lê, ri amarelo (ou Colgate),
vira a página, começa outro texto e, de repente, volta rápido à página
anterior, só para explodir em gargalhadas sonoras, escândalos na vizinhança, o
que será que houve?, a loucura tomando conta. Esse cara é bacana!”
Nas músicas, são muitos os versos que invejamos, vá lá, que eu invejo:
– Eu hoje me embriagando / de uísque com
guaraná / ouvi tua voz murmurando: / são dois pra lá, dois pra cá.
– Chora / a nossa pátria-mãe gentil, / choram Marias e Clarisses / no solo do Brasil. / Mas sei / que uma dor assim pungente / não há de ser inutilmente (...)
– Você fica deitada / com medo do escuro, / ouvindo o coração descompassado. / É o tempo, Maria, / te comendo feito traça / num vestido de noivado.
– Quem me vê sentado / atrás dessa mesa / de escriturário / não vê o tarado, / o louco sanguinário, / o bárbaro sem véu, / o estripador cruel...
– Aos meus amigos que ficaram / um portador há de levar / um par de asas / e um paraquedas / pra quem quiser me visitar.
– A tua mão no pescoço, / as tuas costas macias, / por quanto tempo rondaram / as minhas noites vazias...
Ao saber que a vida de Aldir terminou, lembrei de um poema em que o seu humor se esparrama:
SAIDEIRA
(Aldir Blanc)
Bebi demais. É fato consumado.
Bom, foda-se.
Agora é pensar no futuro.
Eu gostaria de ser cremado
– depois de morto, seu guarda!
Ao ser retirado
já morno do forno,
o público em torno
veria espantado
meu exibicionismo inveterado.
Do pó se ergueria
um termômetro azado
dizendo: está pronto. No ponto.
Um nada acinzentado
ao molho pardo
da cerveja, do uísque, do traçado
e do passado passado passado...
A pior nostalgia
é a do peru Sadia:
já vem (ou já vai) temperado.
– Aos meus amigos que ficaram / um portador há de levar / um par de asas / e um paraquedas / pra quem quiser me visitar.
ResponderExcluirAh, amigo véio, ah.