Ferdinand Heilbuth: "O Leitor", 1856. |
Será que o número de leitores no Brasil aumentou em 2020? Essa pergunta se torna relevante na atual situação (Covid-19,
quarentena). Hipoteticamente, deve ter aumentado. Quer dizer, uma parte da
população está enclausurada e deve ocupar essa restrição de movimentos com
alguma atividade intelectual. Uma parte está hipnotizada por séries e filmes.
Há os que estão descobrindo a trilha sonora de suas vidas. E, em um nível menos
dinâmico, talvez haja lugar para novos leitores.
Entre 2011 e 2015 estimou-se que a quantidade
média de leitura no Brasil era de 4,96 livros por habitante (incluindo nessa
conta os didáticos, técnicos, religiosos, autoajuda e outros). O agravante é
que apenas 2,43 livros foram lidos do começo até o fim. Pesquisa realizada pelo
Instituto Pró-Livro, em 2014, revelou que 44% dos brasileiros não costumam ler
e 30% nunca compraram um livro. Outro fator complicador é que o leitor, quando
alcança os 18 anos, diminui o ritmo de leitura ou o abandona. Paradoxalmente, o
mercado de trabalho e o ensino noturno são inimigos da leitura.
Outras pesquisas mostram o desastre em três
perspectivas.
1) no Brasil, há uma biblioteca pública
para cada 30 mil habitantes. Isso significa, entre outras coisas, que há
municípios que não possuem bibliotecas públicas e que as existentes são
incapazes de atender a demanda reprimida. Mas não é só isso, a ausência de
profissionais na área de incentivo à leitura contribui para que as bibliotecas
públicas se transformem em meros depósitos de papel encadernado. Nessas condições,
o leitor fica excluído do processo de leitura – não há atrativos para que
participe do processo de democratização da leitura, que é a condição mínima
para que a biblioteca desempenhe as suas funções vitais. Não bastasse esse
horror, para obter algum recurso para reposição do acervo ou para comprar livros
novos, muitas vezes as bibliotecas precisam recorrer à mendicância. Nunca é o
necessário, nunca se aproxima de qualquer valor razoável. Para muitas
prefeituras as bibliotecas são vistas como despesa (nunca são investimentos). Esse argumento costuma ser usado para negar o financiamento que poderia transformar as bibliotecas em centros
culturais (organizações que, prioritariamente, formam público interessado em
arte e leitura).
2) as tiragens iniciais de um livro físico
no Brasil raramente são superiores a três mil exemplares. Ou seja, estima-se
que, em um país com cerca de 209 milhões de habitantes, apenas três mil leitores
comprarão aquele livro. Na análise do editor (aventureiro?, maluco?), esse
número mágico paga os custos e possibilita publicar outros livros. Se houver
demanda, reimprime a tiragem (mas isso acontece poucas vezes).
3) o monopólio das grandes livrarias
(Cultura, Saraiva, Amazon, Submarino) contribuiu para fechar as livrarias de
rua, destruir as empresas de distribuição e transformar o livro em um produto
elitizado (escondido dentro de shoppings). A falência das Livrarias Cultura e
Saraiva comprova que esse modelo de negócios fracassou.
Alguém pode dizer que há algo de errado
nesses dados. Pode ser. Mas o erro não está nos números e sim nas políticas
públicas de cultura – que estão estagnadas. E que ajudaram a transformar o
livro em produto descartável (com valor de mercado aproximado do de uma lata de
extrato de tomate, exposta na gondola do supermercado).
Voltando ao tópico inicial, tomara que a
quarentena tenha servido para ampliar o número de leitores! Aguardemos as novas
pesquisas.
Ferdinand Heilbuth: "Lendo no bosque", 1856. |
(P.S.: em outra oportunidade, darei a
minha opinião sobre os clubes de leitura, o livro eletrônico e as bugigangas
que o acompanham).
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