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sábado, 9 de maio de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (XLVIII)


Edouard Monet. Le Rendez-vous de Chats, 1868.


Um dos meus projetos que nunca vai se concretizar é uma antologia literária sobre gatos. Imaginei um livro repleto de fotos de escritores e seus felinos. A integração entre texto e imagem. Além de contos e poemas, haveria espaço para curiosidades, frases, trechos de romances. A ninhada completa.

Inúmeros percalços nessa empreitada. O principal chama-se direitos autorais (narrativas e fotografias). Depois, precisaria resolver as questões relacionadas com as traduções. Por fim, encontrar uma editora que apostasse no projeto. É preciso ter fôlego e sete vidas para uma tarefa tão exaustiva.  

Uma possibilidade era trabalhar com material inédito. Reunir alguns escritores e solicitar ajuda. Depois de pensar um pouco, concluí que não tenho espírito aglutinador e que, no meio do processo, poderia, digamos, ser indelicado com alguém. Escritores são almas sensíveis.



Abandonei a ideia. Se alguém a quiser, que faça bom proveito. Prometo comprar um exemplar. E antes que alguém pergunte sobre o que gostaria de reunir nesse volume, deixo aqui algumas sugestões. Nos romances de Haruki Murakami, os gatos são personagens sempre presentes - basta pinçar algumas passagens. Os contos Os Gatos (John Updike) e Orientação para os Gatos (Julio Cortázar) são excelentes.  A novela A Gata, Um Homem e Duas Mulheres (Jun’ichiro Tanizaki) e os romances Eu Sou um Gato (Natsume Soseki), Relato de um Gato Viajante (Hiro Arikawa) e Reflexões do Gato Murr (E. T. A. Hoffmann) são clássicos do tema. No que se refere à produção nacional, não é possível deixar de fora os contos Emanuel (Lygia Fagundes Telles) e Gato Gato Gato (Otto Lara Resende). O livro Sete Vidas (Heloisa Seixas) reúne sete histórias minimalistas. O romance Um Náufrago que Ri (Rogério Menezes) é narrado por um gato. No campo da poesia, não é possível deixar de lado Entre Arranhões e Lambidas (Alvaro Posselt) e Da Existência Enquanto Gato (André Ricardo Aguiar). Por fim, não há como ignorar o belíssimo Sobre Gatos (Doris Lessing). Será que esqueci alguma coisa? É possível, o mundo daqueles que são fascinados pelos felinos se estende pela vastidão das bibliotecas.



Quem quiser ajuda nesse labirinto, pode consultar duas antologias: Os melhores Contos de Cães e Gatos (Org. Flávio Moreira da Costa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007) e O Grande Livro dos Gatos (Rio de Janeiro: Alfaguara, 2020). Um pequeno obstáculo: oito contos estão presentes nos dois livros. Não é um demérito, mas...

Alguns anos atrás, no instrutivo livro de ensaios sobre literatura russa, Os Possessos (Elif Batuman), encontrei uma palavra desconhecida: ailurofobia. Foi usado ao se referir a Sofia Andreevna, esposa de Liev Nikolaivitch Tolstoi. Surpreendentemente, esse vocábulo não está dicionarizado. O Aurelião o desconhece e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) também o ignora. Foi no Oxford Dictionary que encontrei a chave de significado. Ailuro é palavra grega. Sofia Andreevna detestava gatos. Por extensão, Ailurofilia é o contrário.

Essa história nos leva ao entendimento que há pessoas que não possuem afeto pelos gatos. Seja porque preferem outros animais de estimação (cães, lagartos, cobras, papagaios, etc.), seja porque possuem alergias ou sequer se interessam pelos felinos. Faz parte do show.  

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