Nos últimos dias, uma película fina de
gelo cobriu os campos e a cidade. Paisagem europeia em forma de geada.
Temperaturas próximas do zero. Os meteorologistas (eternamente erráticos) anunciam
que o ciclo climático é irreversível e que winter is coming.
Dentro do apartamento, enrolado em
cobertor, tudo parece bom. A beleza e as cores do inverno propõem uma estética glamorosa.
Diante do imaginário social, constantemente reiterado em filmes e séries
televisivas, as baixas temperaturas incentivam as ideias românticas: lareiras acesas,
taças de espumantes, fondue, corpos amorosos.
O mesmo não se pode dizer de quem precisa
sair de casa para trabalhar ou sobre aqueles – em desacerto com o mundo (des)organizado
– que não possuem casa nem trabalho. O inverno também possui essa
característica: colocar em evidencia que existem outras questões além do idealismo.
Como não existe a primavera sem o inverno,
a humanidade precisa enfrentar e superar as adversidades climáticas, econômicas
e emocionais. Solidariedade é uma palavra importante nesse momento. Mas, não
sei exatamente como isso pode acontecer, o ser humano não cabe na caixinha das
coerências.
De minha parte, gosto do frio. Moro em
uma cidade situada no alto de um planalto (um pouco mais de 900 metros de
altitude). Aqui o verão é uma ficção, umas duas ou três horas na metade de
janeiro, se tudo correr bem. O pessoal mais tradicional costuma reclamar que
isso é demais, um solzinho de vez em quando é suficiente para recarregar as
energias com vitamina D.
Neve, geada, orvalho e garoa encontram o
complemento em casacos, gorros, luvas, cobertas de pena. A elegância (que é uma
das características almejadas pela moda) se manifesta de outra forma. Na
economia das trocas simbólicas, a sensualidade e o mistério substituem a anorexia,
as roupas minúsculas e o ar blasé das passarelas. O ballet que acompanha o
despir das camadas de roupas sobrepostas enuncia as surpresas escondidas nos
corpos. Simultaneamente, anunciam (talvez para depois da quarentena) o calor e
o prazer.
Neste ano provavelmente não haverá
festas de são João. Ou melhor, serão eventos particulares, dentro de casa. Difícil dizer se terá o mesmo charme. Mas, não faltará chocolate quente, pé-de-moleque,
paçoquinha, maria-mole. Os mais velhos assarão um bom pedaço de carne, que será
servido com vinho. Sopa também é uma possibilidade.
Para o pessoal do interior, nada é
melhor do que prosear diante do fogo de chão ou do fogão a lenha. Entre um
causo e outro, pinhão na chapa, paçoca de pinhão, canecas de café, cuias de chimarrão.
O segredo do inverno está no poder da
imaginação.
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