Acordei com vontade de comer pudim. Se
não for pedir demais, pudim de leite condensado e calda de caramelo. E com um
sabor que se aproxime daquele que somente a minha mãe sabia fazer. Doce ilusão.
Faz tempo que Dona Vina se retirou das lides culinárias. Sobrou – apenas – a
lembrança daqueles domingos fartos em que a parte mais importante do almoço era a
sobremesa.
Na minha família, os doces sempre estiveram
presentes. Talvez uma forma de compensação. Sei lá. Há mais mistérios em uma
refeição do que supõe a vã imaginação dos meninos, como disse aquele filósofo
literário que esqueci o nome, mas que sempre associo com milk shake – uma
delícia que só fui experimentar quanto tinha mais de 20 anos.
Dependendo da circunstância, do
orçamento doméstico e da boa vontade da mãe, o cardápio das gostosuras domésticas
variava entre arroz doce (polvilhado com canela), sagu (de leite ou com vinho),
gelatinas coloridas, compotas (maçã, laranja, pera, pero-figo), pavês diversos,
maria-mole, pêssego em calda com creme de leite. Um turbilhão de cores e paladares.
Sorvete nunca foi prioridade. A história
era outra quando envolvia picolé. Muitas brigas aconteceram lá em casa porque cometi
o pecado imperdoável de trocar garrafas por vários blocos doces congelados de
sucos de frutas ou de outras bebidas doces (conforme a definição precisa da Wikipédia).
Ironicamente, ao me bater, meu pai me ensinou um pouco de economia marxista: a
diferença entre valor de troca e valor de uso.
Frutas sempre estiveram presentes na
nossa família, mas nunca foram consideradas como “doces”. Banana, maçã, goiaba
branca, uva – comíamos durante o dia, entre uma refeição e outra. Como se dizia
na época, era para enganar a fome. Vergamota era presença obrigatória (só
mais tarde, muito mais tarde, é que descobrimos o nome correto: bergamota). No
sítio, as frutas de passarinho davam um sabor especial à infância: uvaia, são
joão, butiá, figo, guabiroba (uma espécie de araçá), amora silvestre.
No entrecruzamento entre os modos de
viver urbano e rural, o doce de gila (jila, chila) é a estrela principal. Mas
nunca foi unanimidade. Há os que amam e os que odeiam. Talvez o segundo grupo
seja maior. Talvez. Herança de um tempo em que a vida dos primeiros habitantes brancos
do Planalto Catarinense implicava em usar o máximo de criatividade, a gila
(Cucurbita ficifolia), parente da melancia e do pepino, é uma espécie de
patrimônio cultural da região. Alimento rico em fibras e paupérrimo em sabor, necessita
da adição de açúcar e especiarias: cravo, canela, casca de limão, casca de
laranja (quais e em que quantidade depende do gosto de quem está fazendo o doce).
Depois de ferver durante algum tempo, produz um doce sensacional. O pessoal que
entende do assunto recomenda que a fruta (em forma de abóbora) deve ser dividida
em vários pedaços atirando-a no chão. A utilização de facas e objetos cortantes
altera o sabor!
Lembrar essa imersão no universo
açucarado me deu água na boca. Ou seja, me deixou com mais vontade.
Felizmente, não sou diabético. Não sei se conseguiria sobreviver sem doces.
Desafortunadamente, hoje, não consegui saciar
o desejo. Liguei para vários restaurantes que entregam comida a domicílio.
Nenhum tinha pudim. Poderia ter substituído por chocolate. Resisti. Fiquei com
a impressão que seria uma espécie de traição ao pudim. Minha sobremesa foi
mais frugal: um cacho de uvas.
O pudim ficou para amanhã. Ou depois. Ironicamente,
no meio de todas essas recordações sobre sobremesas, me vi cantando (desafinado,
obviamente) um trecho de uma canção do Osvaldo Farrés (1947): Siempre que te
pregunto / Que cuándo, como y donde / Tu siempre me respondes / Quizás, quizás,
quizás // Y así pasan los dias / Y yo desesperando / Y tu contestando / Quizás,
quizás, quizás.
o pudim etc perfeito como sempre poeta, o bolero triste...
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