Hoje, pela manhã, quando soube do
falecimento do Sérgio Andrade Sant’Anna (1941-2020), minha primeira intenção foi
escrever alguma coisa sobre os livros dele, talvez comparar alguns contos que
orbitam em torno do futebol (Na Boca do Túnel, No Último Minuto, Das
Memorias de uma Trave de Futebol em 1955 e A Senhoria Simpson, por exemplo). Imaginei que poderia ser uma interessante homenagem. Ele era torcedor do Fluminense. Evidentemente, para esse propósito se cumprir, precisaria reler os textos. Separei os livros. Iniciei a leitura. E,
logo depois, adiei o projeto.
Os contos e os romances do Sérgio
Andrade Sant’Anna merecem algo mais substantivo, menos ad hoc. Então, preciso
fazer as leituras com cuidado, além de adquirir alguns textos que não tenho.
Isso não me impede de dizer uma ou duas
coisas sobre aquele que provavelmente foi o mais inquieto (e isso significa,
simultaneamente, o mais criativo) dos escritores da literatura contemporânea.
Recentemente, reli o conto O Concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro. Foi
uma espécie de leitura complementar a outro conto, o do Sergio Rodrigues, A
Visita de João Gilberto aos Novos Baianos. Enquanto Sant’Anna trata de
ausências performáticas, Rodrigues utiliza tom diverso para mostrar o quanto há
de genialidade em João Gilberto. Essas narrativas parecem dialogar entre si,
uma refletindo na outra o que há de sutileza nos sons que saem do violão do músico
baiano. Vozes que se entrecruzam e produzem uma harmonia assustadoramente bela.
Provavelmente o livro de Sergio Sant’Anna
que mais me assustou foi Confissões de Ralfo. Mais do que um texto que ambiciona
desconstruir as estruturas romanescas (porque pergunta, de forma incessante,
qual é o propósito do romance e da literatura), o destaque está no curto-circuito
no imaginário do leitor – que se vê soterrado por uma narrativa que avança impiedosamente
através de capítulos curtos, diálogos impactantes, técnica narrativa inovadora e
julgamento dos valores da sociedade burguesa. Alguns críticos afirmam que é um
livro datado, produção típica dos anos 70. Não há consenso nessa interpretação,
visto que o alcance literário do romance ultrapassa as fronteiras temporais.
Entre os contos, Um Discurso Sobre o
Método, A aula, Conto (não conto) são peças obrigatórias em qualquer
antologia. Há um frescor narrativo em cada uma desses textos, o mundo das
palavras sendo subvertido pela criatividade.
Sergio Sant’Anna
foi um opositor do atual governo. Observador dos absurdos diários (cometidos
por alguém que não dispõe das ferramentas básicas, sejam intelectuais, sejam
políticos, para governar uma nação), em um de seus últimos posts, escreveu: O
Brasil virou um filme de terror.
Por fim, sem querer adivinhar qualquer
coisa ou induzir o que não corresponde aos fatos, é possível evocar as últimas
frases do conto Das Memorias de uma Trave de Futebol em 1955, publicado recentemente na Folha de São Paulo: A noite logo
vai cair. A noite também é bonita, mas seria muito mais se fosse dia de jogo, o
estádio iluminado. Mas não. Para mim, em breve, será só escuridão.
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