A literatura entra todos os dias no apartamento
em que moro. Quer dizer, ela sempre esteve aqui, na forma de centenas de livros.
Mas, em consonância com a modernidade, está adquirindo um novo formato. Está dentro da tela do computador, travestida de entrevistas literárias ao vivo. Todo
dia tem uma ou duas. Às vezes, mais.
Perdão, mas preciso abrir parênteses na conversa.
Resolvi eliminar no meu vocabulário a expressão live. É que não tenho roupa
para acompanhar o colonialismo linguístico. Parece-me mais elegante seguir as tendências
da moda tropical indígena, que dispensa os tecidos sintéticos do homem branco e
só se veste com o mínimo necessário. Fecho o parênteses.
Pois é, estou viciado. Logo depois de
cumprir com as obrigações matinais, vou conferir na agenda a programação do
dia. Nem sempre dou conta. Algumas coincidem e eu nunca fui bom nesses
joguinhos escolha de Sofia. O bom é que algumas são gravadas e dá para assistir
depois. O ruim, como apontaria Walter Benjamin, é que a aura está perdida, se é
que ela existiu algum dia. Em outras palavras, Mefistófeles ganhou a alma de
Fausto – mais uma vez.
Tudo que é bom dura pouco, dizia minha
avó. Por isso, não posso me furtar em três observações que me parecem
relevantes.
A primeira, e talvez a mais importante, é
que muito interessante ouvir as pessoas que escrevem. Sempre frequentei feiras de
livro com o propósito de ver, em carne e osso, as pessoas que se escondem atrás
de personagens, cenários, histórias. Não podendo estar com elas, contento-me em
vê-las pelo mundo virtual. E, desta forma quase impessoal, decido se devo ler
fulano ou beltrano. Outro dia fiquei maravilhado com Miriam Alves. Que força,
meu são Bom Jesus de Iguape! Ela vai colocando uma coisa aqui e ali, e, de
repente, como se fosse um turbilhão, inflama a fala e, sem muita cerimônia,
atropela o que está na frente. Invariavelmente, algum tempo depois, faz pausa,
talvez para respirar, e, cheia de arrependimento, diz: “ah, desculpe, fiz
discurso outra vez”. Sim, fez, e foi bonito. Não a conhecia. Vou ter que
comprar o livro que ela escreveu (Maréia, Editora Malê).
Gosto de ver as entrevistas da Julie Dorrico
(https://www.facebook.com/julie.dorrico)
com vários escritores indígenas. O contraste urbano com a mitologia dos povos
originários, a forma com que todos se chamam de “parentes”, a resistência
contra o desmatamento, os grileiros e todos os males que acompanham a
civilização. É um mundo que fascina e que, ao mesmo tempo está tão distante.
Também fiquei interessado em ler Eu sou Macuxi (Editora Caos e Letras).
Também tenho prestigiado as estrelas, as constelações, os satélites e os cometas.
Marcelino Freire, Djamila Ribeiro, Ricardo Lísias, Julian Fuks, Tiago Ferro,
John Scalzi, Aline Bei, Milton Hatoum, Bruno Ribeiro, Jorge Ialanji Filholini, Cristina
Judar, João Anzanello Carrascoza, Maria Valéria Rezende, Lilia Moritz Schwarcz,
uma infinidade de gente, não lembro de todos. Dá para formar uma biblioteca com
a produção desse povo!
A segunda observação importante que se
pode fazer em relação a essas entrevistas é que todas estão conectadas com o
comércio. Nenhuma objeção a esse propósito. O que move a literatura é a
transmissão da informação e ela se dá através da produção textual. O que não
podemos fingir é que inexiste uma relação capitalista atrás da literatura. O
livro é um produto e escritores, editores e livrarias estão interessados em
vender.
A terceira observação importante é a
ação teatral. Todos os entrevistados e entrevistadores se apresentam com comportamento
exemplar. Ninguém, com exceção da Miriam Alves e do Ricardo Lísias, ergueu a
voz ou se indignou. Todos são cordiais, educados e civilizados. Fico em dúvida
se são assim no dia a dia.
Dito isso, volto o olhar para outras
entrevistas ao vivo, a vida segue.
Entrar no mundo das lives exige certa disciplina que não tenho. Me perco durante dia e quando me atento, perdi a hora da transmissão ao vivo. Só me resta o link para assistir a gravação. Adorei a leitura!
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