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quinta-feira, 13 de agosto de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXLIII)

 


Anos oitenta. Eu era Aluno do Terceirão do Colégio Diocesano. Período noturno.  Minhas ausências em sala de aula eram compensadas pelas inúmeras garrafas de cerveja que costumava abater em um bar que ficava na outra quadra (Rua Coronel Cordova, 441). Habitualmente era acompanhado por um amigo, Getúlio (que, na época, era o presidente do Centro Cívico Frei Nicodemos).

O Cisne Branco era esfumaçado e pouco iluminado. E parecia um corredor estreito. As mesas estavam encostadas na parede e eram separadas por biombos (dos dois lados, o que diminuía em muito o espaço de movimentação dos clientes).  Não era o ambiente ideal para claustrófobos. O grande diferencial do lugar era o respeito à privacidade do(s) cliente(s). Para fazer os pedidos era necessário acionar um interruptor, que acendia uma lâmpada na parede, acima da mesa. As garçonetes eram gentis e atenciosas (e, por alguns trocados, poderiam acompanhar algum solitário no final do expediente). O dono parecia um buldogue e ficava atrás da caixa registradora, controlando tudo.

Naquela época, todos os bêbados respeitáveis (alguns nem tanto) costumavam passar por lá, seja para molhar a palavra ou para outras atividades. Nesse segundo caso, estavam os encontros extraconjugais. Se o sujeito queria levar alguma companhia para conversar e combinar alguma atividade posterior, então era o local ideal.

Situado no centro da cidade, próximo de dois colégios, o Cisne Branco costumava receber muitos estudantes. Alguns estavam fugindo das aulas (meu caso), outros queriam participar do folclore etílico, e, por ultimo, mas jamais o pior motivo, estavam iniciando a vida sexual. Ninguém se decepcionava.

Alguns amigos de longa data (todos muito mais velhos) eram fregueses assíduos. Lembro, particularmente, de Wilsinho Antunes, Athos Athayde e Rogério Castro.

Fui coadjuvante em um dos episódios mais patéticos desse período. Jonas Malinverni (que, naquele período, era estudante de arquitetura) me contou que estava preocupado com o artista plástico Clênio Souza. Figurinha carimbada da vida cultural da província, Clênio era tudo, menos dócil. Depois de brigar com a namorada, declarou solenemente que iria se suicidar. Jonas, temendo esse trágico desfecho, me pediu ajuda para tentar encontrar o sujeito, que estava desaparecido. Imaginando que, na pior das hipóteses, isso serviria de desculpa para abrir mais algumas ampolas do precioso líquido, indiquei o boteco e disse: Vamos ver se ele está aí. Estava. Completamente bêbado, inconsciente, o rosto dentro de um prato de macarrão à bolonhesa. Depois de uns dez minutos, em que tentamos reanimar o cara, o levamos até o banheiro e, além de jogar um pouco de água no seu rosto, limpamos um pouco daquela sujeira. Aproveitei a oportunidade para revistar os seus bolsos. Queria, no mínimo, encontrar algum para a cerveja. Maior decepção. O dinheiro que ele tinha mal deu para pagar a conta.

Depois de tudo isso, foi uma epopeia levar o suicida para casa. Ele morava com a irmã, lá no bairro Vila Comboni (uns seis quilômetros do Centro). Jonas, um eterno pão-duro, não quis chamar táxi, então fomos caminhando, um de cada lado, abraçando o bêbado, que várias vezes quase caiu. No dia seguinte, como sempre acontece nesses casos, Clênio não se lembrava de nada.

Evidentemente, tenho lembranças de outros eventos, alguns proibidos para menores de 50 anos, mas os contarei (com todo o cuidado para não ofender a moral e os bons costumes das pessoas de bem) em outra oportunidade.  


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