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quinta-feira, 20 de agosto de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXLVIII)

 

Anita Catarina Malfatti (1889-1964)


Alguns encontros são improváveis ou inimagináveis. Talvez seja por isso que se atribui à ficção o poder de promovê-los.  Um dos mais interessantes, para quem se interessa por artes plásticas, é o que (não) ocorreu entre Anita Malfatti e Edward Hopper.

No final de 1914, Anita Malfatti, financiada por seu tio, o arquiteto Jorge Krug, viajou para Estados Unidos. Matriculada na Art Students League, não se adaptou ao ensino, que considerou muito apegado às representações realistas. Depois de alguns meses desistiu da escola, passando a frequentar apenas as oficinas de gravura.

Uma amiga lhe contou que um professor de pintura e grande filósofo incompreendido (palavras de Anita, na conferencia que apresentou, em 1951, na Pinacoteca do Estado de São Paulo) estava reunindo um grupo de alunos para passar uma temporada em uma ilha na costa do Maine.

Aluna de Homer Boss, Anita, que tinha 25 anos, passou o verão de 1915 na ilha de Monhegan (2,2 km² de extensão e população inferior a uma centena de pessoas). Foi o período mais intenso, livre e transformador de sua vida. A turma passava os dias pintando e à noite (a ilha não tinha energia elétrica), conversavam, contavam histórias, dançavam. Aos sábados, era realizada uma pequena mostra de trabalhos, onde Homer Boss opinava e orientava os alunos. De certa forma, a Independent School of Art era o paraíso.

Na metade de 1916, Anita estava de volta a São Paulo, onde continuou pintando. Depois de visitar uma exposição da artista, Monteiro Lobato fez uma declaração de guerra no jornal O Estado de São Paulo, com o artigo A Propósito da Exposição Malfatti (publicado em 20 de dezembro de 1917 e que, mais tarde, recebeu outro título: Paranóia ou Mistificação), onde define as linhas básicas do antagonismo entre aqueles que passaram a ser chamados de modernistas e passadistas. 

Esse episódio histérico, promovido por Monteiro Lobato, é considerado uma das gêneses do modernismo no Brasil e que resultou, alguns anos depois, em um dos eventos mais significativos da história artística nacional: a Semana de Arte Moderna (13, 15 e 17 de fevereiro de 1922).

Não há provas de que Anita Malfatti e Edward Hopper tenham se encontrado em algum instante, embora ela tenha conhecido, em Nova York, Marcel Duchamps, Máximo Gorki e Juan Gris, entre outras personalidades do mundo artístico mundial. O que os une é a pintura. Mais precisamente os quadros que produziram em Monhegan (Hopper esteve lá em várias ocasiões).


Edward Hopper (1882-1967)

Hooper ficou célebre por enfatizar, de forma realista, a solidão contemporânea. Malfatti seguiu outro curso. Depois que conseguiu superar o figurativismo realista, através de cores vibrantes e temas que, quebram o estilo acadêmico clássico, introduziu uma nova perspectiva pictórica nas artes plásticas do Brasil (influenciada pela pintura de ruptura europeia – Pablo Picasso, Oscar Kokoschka, Gustav Klint, Fernand Léger, etc.).

Passados tantos anos, sem fazer comparações, pois os estilos dos dois pintores são inegavelmente diferentes (técnica, cores, pinceladas, olhares sobre a luz) e eles estiveram na ilha em momentos distintos, é interessante ver a maneira como pintaram um das atrações de Monhegan, o farol – e do mesmo ângulo.


O Farol, 1915, de Anita Malfatti.
 


The Lighthouse at Two Lights, 1929, de Edward Hopper.

Obs: Existe outra pintura de Hopper tendo o farol como motivo temático, mas a perspectiva é outra.


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