Se alguém lhe disser que escrever é
fácil, não tenha dúvida: trata-se de um mentiroso. Quando iniciei o projeto
Diário da Quarentena não pensei direito no que significa escrever cerca de
500 palavras diariamente. Não estou arrependido. É o contrário. Mas, preciso
admitir, piquenique não acontece todo dia. Muitas das 133 crônicas (até o
momento) precisaram ser arrancadas (literalmente) a fórceps.
Depois de escolher o assunto, cabe a
escritura. Raramente se consegue encontrar uma linha narrativa em que o texto
se desenvolve no automático. Em muitos casos, o trabalho exige mais suor do que
inspiração. Normalmente, o sujeito fica olhando durante meia hora para a tela
do computador, antes de concluir que aquelas duas linhas que escreveu não vão
levar a lugar nenhum. Dá vontade de arrancar os cabelos que não tenho mais.
Em algumas situações, há a necessidade de
usar algum truque narrativo: inverter a ordem dos fatos, controlar o fluxo de
informações, descobrir algum elemento capaz de distrair a atenção do leitor,
etc. Essas fórmulas precisam ser testadas, nem sempre funcionam.
O meu método de trabalho envolve muita
revisão. Detesto repetir palavra em parágrafo. Então, costumo ficar algum tempo
garimpando duplicatas. Depois, passo o corretor ortográfico do World, que é – como
dizer isso, sem ofender muito? – uma perda de tempo. O vocabulário mediano da
máquina não encontra nem metade dos problemas – sem mencionar que marca em
vermelho e verde palavras e frases que possuem gramática narrativa
diferenciada.
Evidentemente, todo esse esforço nunca
se mostra suficiente. Nunca será. Por quê? Porque as palavras adoram brincar de
esconde-esconde com aquele que as fixou no papel (ou em qualquer outro suporte).
Depois de algum tempo, o texto se torna opaco, perde a legibilidade, a revisão
se torna inútil. Não é possível corrigir o erro mais banal – faltam ou sobram letras,
palavras são escritas de maneira diferente do que recomenda a norma culta,
trocadilhos involuntários aparecem, o inferno se instala.
A regra geral recomenda que qualquer
revisão seja feita por outra pessoa. No momento, isso inviabiliza o processo. Então,
vamos em frente. Abrir o blog e publicar é o passo seguinte. Pronto, está
feito. Vamos começar outro texto?
Nananinanão. É melhor ler o que foi
publicado. O erro grosseiro surge diante dos olhos e parece ter sido escrito
com letras garrafais (fonte 36, no mínimo). A primeira coisa a fazer é pedir
perdão pelos pecados. Depois, abrir o blog e corrigir. Mas, para não ficar
macerando dúvidas, cabe mais uma revisada. Uma frase mal construída pede
conserto. Depois, surge uma palavra incompleta e depois... Em algum momento, você
diz para si mesmo: chega, abandono! E fecha o blog. Seja o que Buda quiser!
No dia seguinte, a surpresa: duas
palavras iguais no ultimo parágrafo. Nova correção, dessa vez utilizando algum
sinônimo ou fornecendo outra redação para o trecho. Podia ser pior, muito pior.
A operação remendo (onde se tenta esconder as partes que foram substituídas por fita adesiva e barbante, como ensina a Margaret Atwood) só se realiza porque o computador existe. Antigamente,
ninguém escapava da loucura se precisasse datilografar uma segunda ou terceira
vez o texto corrigido. Tinha um líquido corretor, o branquinho, é verdade, mas
eu o considerava como recurso estético horrível, a página ficava manchada e o
ponto de correção chamava mais a atenção do que o texto.
Quando me perguntam quais são as
habilidades necessárias para escrever com alguma competência, respondo –
seriamente – que, depois de anos de leitura, um bom estoque de palavrões, de preferência os piores
possíveis, pode ajudar. Na hora certa, o “nome feio” tem valor de oração.
Tenho lido muito o seu diário. Hoje fiquei especialmente grato pelo texto. Tua cara.
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