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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXXXVI)



Trata-se de um caso isolado.

Essa formula burocrática, usada frequentemente em declarações das corporações empresariais e dos aparelhos de Estado, costuma surgir como resposta imediata a alguma situação que foge do controle. O conceito caracteriza uma postura de isenção e implica em criar uma redoma que preserve os valores da moral e dos bons costumes – simultaneamente, lança uma cortina de fumaça visando encobrir qualquer relação entre o comportamento reprovável e a proposta de trabalho da instituição.

As notas de esclarecimento querem edulcorar os fatos. Mais do que uma ação em prol da lisura e das regras civilizatórias, esses documentos minimizam o prejuízo e sonham com o esquecimento.   

Antes do uso frequente das tecnologias de informação (áudios e vídeos), esse recurso tinha boas chances de sucesso. Com a disseminação viral da informação, que não mais pode ser controlada depois que alguém a coloca em circulação nas redes sociais, as declarações protocolares perderam a validade – embora continuem a ser distribuídas para uma parte do público que nunca esteve (ou estará) interessado em macular a imagem do organismo que foi atingido pela confusão.

No mundo corporativo, a empresa (ou a instituição pública) está acima dos indivíduos. Mas não de todos, alguns são mais importantes que os outros. Isso não impede que o marketing divulgue que as peças da engrenagem podem (e devem) ser substituídas sempre que necessário. O motor precisa continuar funcionando. Como parte do espetáculo, se for necessário, se não houver outra rota de fuga, algum porta-voz emitirá um novo documento, onde as entrelinhas garantirão que providências enérgicas serão adotadas para que o fato gerador da reprimenda não se repita. Nessa nova abordagem provavelmente serão utilizadas expressões de incontestável correção como doa a quem doer ou infelizmente, teremos que cortar na própria carne.

O público, que adora sangue, salivará de satisfação, e, por algum instante, acreditará em justiça, um conceito fluído e que está articulado com um conjunto de forças que despreza a opinião pública. Se fosse possível, a corporação esconderia debaixo do tapete todas as sujeiras. Por isso, poucas vezes uma punição sumária é adotada. O usual é contemporizar, nomear uma comissão de investigação (que terá 365 dias e algumas prorrogações para emitir um parecer).

Diariamente, os casos isolados se repetem de maneira assustadora, assim como as declarações burocráticas. 



Um comentário:

  1. Puzóia! É raro mas acontece muito.
    Há mais exceções do que regras. Putzgrila!

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