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domingo, 2 de agosto de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXXXIII)




Não sei o que os historiadores dirão sobre o dia de hoje. Provavelmente escreverão que foi um dia qualquer e que nada aconteceu de importante. Não é a minha opinião. Quero registrar um acontecimento decisivo nesses quase 150 dias de quarentena e que aumentou o meu índice médio de felicidade.

Fiz gelatina. O quê? Pois é, minhas raras habilidades na cozinha estão se desenvolvendo em ritmo de fórmula um. Os céticos, sem a mínima piedade, dirão que forjei um episódio inverossímil para tentar fornecer algum nexo em uma vida sem conteúdo. Intriga. São Bom Jesus de Iguape, meu santo protetor, sabe que não sou mitomaníaco. Posso aumentar (um pouco) alguns acontecimentos, mas não invento (muito).

Vários meses atrás, numa dessas lojas que vendem quinquilharias, comprei uma travessa de vidro. Não lembro quanto custou o pirex, mas foi muito mais barato do que o similar que encontrei no supermercado. Esse momento de insanidade temporária, pois nunca havia sentido antes a necessidade de ter esse tipo de equipamento doméstico, surgiu porque tive uma súbita vontade de comer uma das mais insípidas sobremesas (e que eu adoro). E, sem considerar outras utilidades para o utensílio, que devem existir, acredito, resolvi que deveria dar esse importante passo na minha inexistente carreira de dono de casa: fazer gelatina.  

O tempo passou. A travessa repousava numa prateleira de um dos armários da cozinha. Se algumas vezes serviu como fruteira improvisada, o usual era ficar vazia. Muitas vezes olhei para o objeto como se fosse uma interrogação caetaneana, existirmos: a que será que se destina? Confesso que isso estava me incomodando.

Ontem pela manhã, venci a insegurança e, num gesto inédito, decidi que estava na hora de me lançar no perigoso experimento. No supermercado, como um cientista ambicioso, comprei quatro caixas de gelatina em pó. Essa quantidade foi determinada por bases científicas, pois considerei a hipótese de alguma coisa não funcionar. Ou seja, me preparei para – se necessário – repetir a aventura.

Li, com cuidado, as instruções. Aparentemente, é muito fácil fazer gelatina. Mas,... A vida está cheia de tropeços. Será que não existe algum truque, uma sutileza, um pulo do gato? São dúvidas legítimas, ninguém pode me condenar por pensar nisso, inclusive porque a bula ignora a possibilidade de algo dar errado. Respirei fundo e coloquei a água para esquentar. Abri a caixa e aguardei o micro-ondas terminar a tarefa. Dissolvi o conteúdo do envelope na água fervendo, mexi bem, despejei essa mistura na travessa de vidro, adicionei água fria e, com cuidado, como se fosse um exame laboratorial importantíssimo, levei à geladeira.

Agora é só esperar o milagre, disse para mim mesmo, satisfeito por ter concluído todas as etapas sem provocar algum desastre. Poderia ter me queimado ou derrubado o refratário no chão. Sou distraído, a mente vive passeando nas nuvens, e causar alguma confusão é a minha maneira natural de ser.

Várias horas depois, fui ver o resultado. Ficou bom. Quer dizer,... Em nome da modéstia, vou precisar fazer outros testes antes de me proclamar um especialista no assunto. A consistência estava aquém do desejado, o sabor também. Talvez tenha colocado água demais. Não sei. Alguma coisa não funcionou como imaginei.

Amanhã, farei nova tentativa.    


Um comentário:

  1. Raul, a cara está ótima. Garanto que ficou uma delícia e vc está sendo modesto. E gelatina de limão é muito gostosa. Aliás, todas são!

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