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sábado, 1 de agosto de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXXXII)



São as pequenas perdas que assustam. Alguns fragmentos da gente vão se despedindo sem que se perceba, uma coisa aqui, outra ali, o vazio sendo ampliado a todo instante. A vida encontra-se em suspensão, a pulsão da morte ficou palpável e algumas ausências são mais danosas do que outras.

Sair para jantar com Mítia se transformou em impossibilidade. Não tenho saudades, obviamente, daquelas contas astronômicas – mas esse era um mal menor, nosso lema de vida sempre foi para livros e comida não há limites. Peço regularmente delivery, mas essa prática e o alimento quase frio parecem estragar a experiência gastronômica.

Queria passear em livraria, tirar o livro da estante, folhear, ler a orelha, ver o índice, conferir o saldo bancário para ver se havia compatibilidade, comprar ou devolver ao local de origem. Tantas vezes fiz isso em São Paulo, em Florianópolis (Saraiva, Curitiba ou nos sebos do Calçadão da Rua João Pinto), em Lages (A Sua Livraria, Livraria Serrana). Adquirir os livros pela internet (o que faço regularmente) é muito sem graça, uma assepsia que inibe (peso, cheiro, visão, prazer estético – tudo fica muito distante).

Sinto uma falta imensa de ir ao cinema e ver bobagens, aquelas sessões no meio da tarde, em que o isolamento por duas horas tem efeito terapêutico. Pode até ser uma adaptação de histórias em quadrinhos, aqueles heróis ridículos, fantasias coloridas, muitas explosões, peripécias sem pé nem cabeça.

Não sou uma pessoa que se sente confortável com o contato com outro corpo. No entanto, em alguns momentos, sinto vontade de abraçar aqueles de quem gosto. O interdito se manifesta, lembrando que os rituais da intimidade mudaram, o afeto se tornou perigoso. O assombro e o medo afastaram a possibilidade de proporcionar e usufruir o calor que a pele gera na pele.

Viajar se tornou um impedimento. O mundo exterior deixou de existir como possibilidade, foi reduzido a algumas fotografias e vídeos na internet. O imobilismo se tornou filosofia de vida.

Ir ao supermercado, à farmácia ou ao banco se transformou em aventura arriscada.  

Quase cinco meses sem frequentar bar está me deixando com síndrome de abstinência. Beber em casa não é saudável, não tem propósito, não faz bem. O bom é estar na companhia de amigos e conhecidos, falar besteiras, rir, pedir para o garçom mais uma ampola de pão líquido, deixar o tempo escorrer sem pressa.

Caminhar sempre foi o meu ponto de contato com a pulsação da cidade. Costumava sair de casa e me deixar levar pelas ruas próximas durante uma hora, uma hora e meia. Fazer exercício físico sem estar preso na rotina das academias. Movimento peripatético e absorver a geografia urbana. Algumas vezes, nos finais de tarde, ia comer omelete nos pequenos restaurantes próximos, um prazer que precisei abandonar.

Tenho saudades de assistir os jogos do Santos – equipe futebolística que está em processo de evaporação, visto que os onze jogadores que estão entrando em campo parecem estar envoltos em nuvens de hidroxicloroquina e ivermectina – ou coisa pior.

Ficar em casa dilata a sensação de claustrofobia, coloca a sanidade em risco, multiplica a ansiedade.

A pandemia ampliou a solidão.


Um comentário:

  1. Tudo foi dilacerantemente ampliado! A solidão com sua carga de coisas negativa impera e diz tudo - inclusive com repercussões no bom funcionamento do físico. Para ter ideia, tive dor de ouvido quando criança, de ontem pra hoje tenho uma dor estranha e forte, já medicada! Mas continue com seu diário, merecemos a leitura! Beijos

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