São as pequenas perdas que assustam. Alguns fragmentos da gente vão se despedindo
sem que se perceba, uma coisa aqui, outra ali, o vazio sendo ampliado a todo
instante. A vida encontra-se em suspensão, a
pulsão da morte ficou palpável e algumas ausências são mais danosas do que
outras.
Sair para jantar com Mítia se
transformou em impossibilidade. Não tenho saudades, obviamente, daquelas contas
astronômicas – mas esse era um mal menor, nosso lema de vida sempre foi para
livros e comida não há limites. Peço regularmente delivery, mas essa prática e
o alimento quase frio parecem estragar a experiência gastronômica.
Queria passear em livraria, tirar o
livro da estante, folhear, ler a orelha, ver o índice, conferir o saldo
bancário para ver se havia compatibilidade, comprar ou devolver ao local de origem.
Tantas vezes fiz isso em São Paulo, em Florianópolis (Saraiva, Curitiba ou nos sebos do
Calçadão da Rua João Pinto), em Lages (A Sua Livraria, Livraria Serrana). Adquirir os livros pela internet (o que faço
regularmente) é muito sem graça, uma assepsia que inibe (peso, cheiro, visão,
prazer estético – tudo fica muito distante).
Sinto uma falta imensa de ir ao cinema e
ver bobagens, aquelas sessões no meio da tarde, em que o isolamento por duas
horas tem efeito terapêutico. Pode até ser uma adaptação de histórias em
quadrinhos, aqueles heróis ridículos, fantasias coloridas, muitas explosões, peripécias
sem pé nem cabeça.
Não sou uma pessoa que se sente
confortável com o contato com outro corpo. No entanto, em alguns momentos, sinto vontade de abraçar aqueles de quem gosto. O interdito se manifesta, lembrando que os rituais da intimidade mudaram, o afeto se tornou
perigoso. O assombro e o medo afastaram a possibilidade de proporcionar e usufruir o calor que a pele gera na pele.
Viajar se tornou um impedimento. O mundo
exterior deixou de existir como possibilidade, foi reduzido a algumas
fotografias e vídeos na internet. O imobilismo se tornou filosofia de vida.
Ir ao supermercado, à farmácia ou ao
banco se transformou em aventura arriscada.
Quase cinco meses sem frequentar bar está me deixando com síndrome de abstinência. Beber em casa não é saudável,
não tem propósito, não faz bem. O bom é estar na companhia de amigos e
conhecidos, falar besteiras, rir, pedir para o garçom mais uma ampola de pão
líquido, deixar o tempo escorrer sem pressa.
Caminhar sempre foi o meu ponto de
contato com a pulsação da cidade. Costumava sair de casa e me deixar levar
pelas ruas próximas durante uma hora, uma hora e meia. Fazer exercício físico
sem estar preso na rotina das academias. Movimento peripatético e absorver a geografia
urbana. Algumas vezes, nos finais de tarde, ia comer omelete nos pequenos
restaurantes próximos, um prazer que precisei abandonar.
Tenho saudades de assistir os jogos do
Santos – equipe futebolística que está em processo de evaporação, visto que os
onze jogadores que estão entrando em campo parecem estar envoltos em nuvens de hidroxicloroquina
e ivermectina – ou coisa pior.
Ficar em casa dilata a sensação de
claustrofobia, coloca a sanidade em risco, multiplica a ansiedade.
A pandemia ampliou a solidão.
Tudo foi dilacerantemente ampliado! A solidão com sua carga de coisas negativa impera e diz tudo - inclusive com repercussões no bom funcionamento do físico. Para ter ideia, tive dor de ouvido quando criança, de ontem pra hoje tenho uma dor estranha e forte, já medicada! Mas continue com seu diário, merecemos a leitura! Beijos
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