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segunda-feira, 17 de agosto de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXLV)

 


Durante o sábado e o domingo preferi ficar quieto, internado dentro de mim mesmo. Foi uma pausa, um intervalo necessário. Anulei o mundo exterior e me concentrei no que acontece no microcosmo que define o que está ao meu redor. Por dois dias, não me deixei envolver pelas complicações do presente, embora o futuro e o passado tenham relampejado em alguns momentos como que fossem anúncios de tempestades.

Não assisti telejornais, não me envolvi nas polemicas da Internet, sequer dei um passo para fora do apartamento. Reclusão completa. Quase uma situação comum em tempos de pandemia. Felizmente, estou ciente de que não existem cenas típicas – independente de quantas vezes se repitam. Na rotação que caracteriza os fatos, tudo possui aparência de novo, seja porque o papel de embrulho é diferente, seja porque a mudança está se processando a cada instante.     

Nessa ciranda, que ecoa Heráclito de Éfeso, alguns indivíduos possuem algum tipo de sensibilidade sísmica e percebem que alguma coisa precisa ser feita para impedir que a rachadura na parede cause o desmoronamento da casa.

Sintomaticamente, epidemiologicamente, isso não acontece com a maioria da população.  Os adeptos do nem tô aí preferem abrir as portas que levam ao escapismo. Envoltos por uma nuvem de fumaça tóxica não sentem a atrofia dos sentidos e abraçam o negacionismo – fantasia de felicidade que consiste em evitar tudo o que possa causar alguma reflexão.

Cada um reage com os instrumentos que dispõe.

Nesse momento em que falta empatia com a situação anômala em que estamos vivendo, tento imaginar algumas situações-limite literárias: a angústia de Anton Pavlovitch Tchekhov na Ilha de Sacalina, no mar de Okhotsk, a solidão que acompanhou Alfred Dreifus e Henri Charrière (Papillon) na Ilha do Diabo, ao norte da Guiana Francesa, ou o desalento de Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, que cumpriu pena de prisão em Omsk, na Sibéria. Pode-se dizer o mesmo sobre os mundos ficcionais de Robinson Crusoé, a Família Robinson e os moradores de Oran. São experiências de degredo terríveis.

Etimologicamente, a palavra isolamento (radical isola, derivação de insula, ilha em latim) indica uma situação de afastamento, de limitação espacial, de restrição de movimentos. De maneira objetiva, pode-se dizer que aquele que está separado do Outro não consegue ver nada além do que está diante dos seus olhos – e muitas dessas imagens são frutos da imaginação, de um desejar que não se concretiza. Essa alienação contrasta, de forma mais intensa, com a carência produzida pela ausência do afeto. Quando John Donne escreveu que Nenhum homem é uma ilha, talvez estivesse sonhando com um tempo em que os acidentes geográficos seriam extintos e as pessoas poderiam se unir e formar continentes. Talvez estivesse pensando que, com esse tipo de utopia, seria possível projetar uma sociedade mais fraterna e menos injusta.

Hoje é segunda-feira. A redoma está aberta – outra vez.


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