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quinta-feira, 27 de agosto de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CLII)



Ontem, estive na iminência de ser devorado pelo tédio. Há momentos em que a mediação entre a casa e a rua exige alguma satisfação além daquela que é fornecida pela tela do computador ou da televisão. A alternativa está em decidir se vale o risco de enfrentar o mundo exterior. Dia de sol no inverno é sinônimo de tentação. Bermuda, camiseta, sandália e máscara – simulacro de quem estava indo para a praia (a ironia surge imediatamente: a temperatura média do Planalto Catarinense, nos últimos quinze dias, não deve ter ultrapassado 10° C).  

Não fui muito longe. A ideia era fazer o sangue circular pelo corpo. Não vejo o menor sentido em fazer exercícios físicos, detesto academias e, entre os meus melhores defeitos, não se encontra o narcisismo. Melhor é bater perna, descobrir a geografia urbana.

Como desculpa argumentei para mim mesmo que precisava pagar uma conta. Fui ao banco, à padaria e ao supermercado. Fiquei fora de casa cerca de uma hora e meia. Infelizmente, não posso sair para caminhar todos os dias. Ou melhor, não devo. Estou no grupo de risco – por diversos motivos. Mas, preciso confessar que um contato mais próximo com o mundo está fazendo falta. Gosto de ficar em casa. No entanto, não me sinto confortável em ter restrições sobre o que fazer ou deixar de fazer.

Ao voltar, tomei um banho rápido e acessei, pelo celular, o Instagram do Ppglitufsc. Vi e ouvi uma laive sobre o medo e a pandemia. Foi bom ver pessoas do meio acadêmico pensando e discutindo o tema, que provavelmente será expandido nos próximos anos com razoável produção ficcional e teórica.

Depois, algum tempo depois, sentei na frente do computador e comecei a escrever este texto. Parei antes de chegar à metade. Um ligeiro mal-estar. Não foi físico. Apenas uma sensação indefinida, dessas que surgem no horizonte, lá longe, e vão se aproximando devagar. Quando o sujeito se dá conta do perigo, ela já está instalada no sofá da sala, tomando chá com biscoitos, e olhando dentro dos nossos olhos.

Fui para a sacada do apartamento, no início da noite. Fiquei imaginando bobagens sobre os carros e as pessoas que estavam se deslocando pela avenida. A ficção fornecendo substância ao nada. Devo ter ficado lá por um bom tempo, o suficiente para perceber que o exercício da escrita estava comprometido, que era melhor deixar o Diário da Quarentena em banho-maria, amanhã é outro dia, essas conversas fiadas de quem não tem (nunca teve) compromisso com os rituais.

O resto da noite foi inquietação. Só consegui dormir lá pelas três da manhã. Acordei cedo – e isso significa antes das oito. Assisti ao jornal televisivo, a comprovação de que as notícias se repetem em um círculo de mesmice. Lavei a louça, tomei banho, li um pouco (um romance russo superengraçado). Nada muito diferente do que faço no dia a dia – estou em casa a mais de seis meses. 

Neste momento da história contemporânea, nada mais resta senão inventar resiliência. E esperar.


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