Feitiço do Tempo é o título que o filme Groundhog Day (Dir. Harold Ramis, 1993) recebeu no Brasil.
O egocêntrico jornalista e meteorologista Phil Connors (Bill Murray) vai até a cidade de Punxsutawney, na Pensilvânia, para fazer uma reportagem sobre o festival Dia da Marmota (02 de fevereiro). Segundo a lenda local, o animal (que também se chama Phil) tem o poder de prever qual será a duração do inverno olhando para a própria sombra.
Ao acordar, Phil ouve a rádio-relógio e, em seguida, protagoniza uma série de pequenos eventos. Depois de realizar o trabalho, descobre que não pode ir embora, porque uma tempestade de neve fechou a rodovia. Nos dias seguintes, há uma repetição de tudo o que aconteceu nos dias anteriores. Em algum momento, Phil percebe que, inexplicavelmente, ele está preso no dia 02 de fevereiro.
Ciente de que está sendo devorado por uma versão moderna do mito de Sísifo, começa a se antecipar aos acontecimentos e promove algumas alterações na ordem dos fatos. Nada muda (todas as manhãs o radio-relógio o acorda com as mesmas notícias), embora tudo seja novidade. A revolta contra a ausência do futuro não impede a repetição.
A alegoria proposta pelo filme se transformou em metáfora dessa indefinição que chamamos de realidade. Com a pandemia, somos prisioneiros de um tempo que não se move. Na espera de uma vacina ou da imunidade de rebanho – o que vier primeiro –, aguardamos por uma solução que talvez não aconteça no médio prazo. O anúncio de que algumas pesquisas sobre a doença estão prestes a apresentar bons resultados não tranquiliza as pessoas; ao contrário, aumenta a ansiedade, porque induz uma noção vazia de esperança. Depois de cinco meses de quarentena, as tarefas domésticas parecem encenar um pesadelo sem fim. As notícias de mortes de amigos e conhecidos estão se tornando rotina.
Por outro lado, há boas notícias (se é que é possível dizer esse tipo de coisa). A escola está sendo mais valorizada. As famílias descobriram que não estão preparadas para fornecer educação escolar para os filhos. Querem voltar a terceirizar essa tarefa com o professor. A pandemia mostrou que o ensino doméstico (homeschooling) e o ensino remoto (vídeo-aula) são inviáveis e que contribuem para a queda de rendimento dos alunos. Mesmo nos sistemas híbridos, essa defasagem está se mostrando significativa. Quando for feita a avaliação de 2020, não será surpresa se a conclusão indicar que a atual geração de estudantes perdeu o ano escolar. Caberá aos professores a tarefa de tentar recuperar todos os prejuízos.
Outra questão importante é que o afeto está ganhando novos contornos. E deverá ser mais valorizado quando a tempestade passar. O afastamento físico de familiares, amigos e colegas profissionais se manifesta como dor, como luto (simbólico, imaginário e real). Abraços e beijos são ações que aproximam as pessoas, que mostram a essência do humano. A interdição desses gestos – porque possuem a forma de ameaça – promove a desestabilização emocional e criam uma barreira que não é natural.
Não podemos ficar encarcerados no tempo,
como Phil Connors. Precisamos acordar e ver um novo dia. De preferência, sem
repetições.
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