Páginas

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXXXVII)

 

Ontem, pela primeira vez, depois de 136 dias ininterruptos, falhei com o Diário da Quarentena. Tive alguns problemas particulares para resolver durante a tarde e depois fui postergando, postergando, e quando vi estava na hora de um compromisso virtual. Não dava mais para consertar o estrago.  

Hoje pela manhã, fiquei a pensar que às vezes precisamos fazer algum tipo de pausa. Concluí que a palavra desacelerar está faltando no meu vocabulário. O isolamento social, no meu caso, está intimamente ligado com uma lista de obrigações, uma necessidade urgente de ocupar o tempo. Lavar a louça, descartar o lixo, pedir comida pelo telefone, assistir algumas muitas laives, escrever um texto diário. Produzir, enfim. Parece que esqueci que esse tipo de violência ocupacional faz mal para a minha úlcera. Ou será gastrite? Não sei quem é quem – nos dois casos a dor causa estragos absurdos.

Em tempos de pandemia, em que uma parcela da população está em quarentena, cabe diminuir o ritmo das ações. Em outras palavras, reaver o direito ao lazer e ao ócio. Mas, não é isso que está acontecendo.

A razão econômica me empurrou para fora de casa, nesta sexta-feira. Depois de ir ao banco, voltei por uma rua secundária, dessas em que há pouco movimento, em que o sol da tarde parece ser uma benção. Descobri que o deserto é aparente. Vi dois ou três homens carregando areia e tijolos, assentando o cimento, ampliando o espaço domiciliar, criando um puxadinho. No outro lado da rua, o rapaz lavava o carro. Vi meninos andando de skate e bicicleta. Vi e ouvi conversas de vizinhas. Na escola de música, o som da flauta transversal projetava a beleza. Há uma série de movimentos que o vírus não consegue deter. Viver em sociedade significa interagir com o Outro – aquele que nos é complementar, porque diferente.

Ao voltar para casa, lembrei de uma canção do Zeca Baleiro, (...) “Calma alma minha / Calminha, você tem muito o que aprender”. Pois é, sempre fui estudante relapso – na escola e na vida. De qualquer forma, depois de inúmeros pecados e transgressões, creio que os arrependimentos e os atos de contrição não mais possuem validade, e se, por ventura, conduzirem ao aprendizado, isso ocorre vagarosamente.

Evidentemente, não vou deixar de fazer o que devo fazer dentro de casa. Preciso ter copos e pratos limpos, não devo acumular o lixo. Mas não há motivo para converter tudo em ritual ou obrigação. Ou seja, essas atividades – por mais estafantes que sejam – não devem ser entendidas como um sinônimo de trabalho (do vocábulo latino tripallium, denominação de um instrumento de tortura formado por três paus).

A vida é um imenso parque de diversões. E ninguém paga ingresso. Por isso, escolher somente os brinquedos chatos não multiplica a alegria. Construir o novo, fugir dos padrões, alcançar o horizonte e outras aventuras mágicas parecem ser formas de driblar o tédio. E construir a maturidade.

Por essas e outras, Enquanto todo mundo espera a cura do mal / E a loucura finge que tudo é normal (como canta Lenine), a preguiça é uma virtude revolucionária.  


Nenhum comentário:

Postar um comentário