(...) e se acaso distraído eu perguntasse “para onde
estamos indo?” – não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse paisagens
muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me
conduzisse para regiões mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de
meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de
qualquer ubiquidade: “estamos indo sempre para casa”.
(Raduan Nassar: Lavoura Arcaica)
Será o retorno tão importante quanto a viagem?
Ir não era suficiente para ele, apenas metade suficiente; tinha que retornar,
afirma o narrador sobre Shevek, protagonista do romance Os Despossuídos (Ursula
Kroeber Le Guin, 1929-2018). Ciente da transitoriedade enunciada por Heráclito
de Éfeso (ninguém se banha duas vezes no mesmo rio), Shevek possui um
entendimento muito pessoal sobre essa questão: Pode-se voltar para casa (...), desde que se compreenda que casa é
um lugar onde nunca se esteve.
É muita filosofia para pouca quarentena.
É necessário bagagem, passaporte e bússola para esse tipo de passeio
intelectual. Deve ser o caso de Alexandra Lucas Coelho, ganhadora do Grande Prêmio
de Literatura de Viagens Maria Ondina Braga, com o livro Cinco Voltas na Bahia
e Um Beijo para Caetano Veloso.
Alexandra, portuguesa de nascimento e
jornalista por profissão, 52 anos, tem desbravado o mundo com voracidade.
Escreveu sobre o México, o Afeganistão, o Egito e o Brasil (Rio de Janeiro e
Bahia), além de dois romances. Parece ser uma dessas pessoas que possuem
“bicho-carpinteiro”, como dizia minha avó, quando se referia a pessoas que não
param quietas e sempre estão “criando caso”, incomodando.
O interessante é que Alexandra não está
sozinha nessa peregrinação pelo mundo literário. Provavelmente o caso mais
extremo seja o do inglês Bruce Chatwin (1940-1989), que desistiu de uma
carreira promissora na Sotheby’s, em Londres, para viajar pelo mundo (França,
União Soviética, Patagônia, Benin, Daomé, Austrália, etc.). Essa movimentação
está registrada em diversos livros, sendo que alguns derivaram de reportagens
que fez para a Sunday Times Magazine. Para acrescentar um pouco mais de charme
a uma vida agitada, as suas cinzas mortuárias foram espalhadas ao redor de uma
capela bizantina, no Peloponeso, próximo do local onde morou o escritor Patrick
Michael Leigh Fermor (1915-2011), outro viajante incansável.
O escritor holandês Cees Nooteboom (pseudônimo
de Cornelis Johannes Jacobus Maria, 86 anos) também não gosta de viver em um
único lugar. Seus livros estão ambientados nos lugares mais inusitados.
Paraíso Perdido, por exemplo, une São Paulo com a Austrália, a Áustria e a
Holanda.
Jean-Marie Gustave Le Clézio (80 anos),
Prêmio Nobel de Literatura de 2008, é outro desterrado. Vive em trânsito, como
se a diversidade que está além dos limites da geografia fosse o objetivo a ser
alcançado.
Michel Onfray, que elaborou uma Teoria
da Viagem, afirma que as ocasiões de partir podem ser aleatórias: abrir um
atlas, fechar os olhos, apontar um país, decidir-se por uma região inesperada,
confiar, quando se tem essa oportunidade, nos convites oferecidos a percorrer o
planeta, (...) partir nas pegadas de um poeta, de um filósofo, de um artista
amado, em busca de uma geografia sentimental.
Todos esses viajantes fazem de
aeroportos, estações de trem e hotéis um lar provisório. Em outras palavras, são
prisioneiros de algo que nunca está onde eles se encontram. Como esses
deslocamentos acontecem por livre e espontânea vontade (vamos dizer assim), há
que separá-los daqueles que foram expulsos de casa, que vivem em fuga. Esse segundo
grupo, os exilados, raramente consegue retornar da viagem. Não lhes resta senão
as lembranças de algo que lhes foi tomado à força e que jamais poderá ser
recuperado.
É possível que viajar seja mudar a roupa
da alma, como escreveu Mário Quintana, mas talvez seja também uma inquietação,
uma insatisfação, uma vontade frustrada de regressar.
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