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quarta-feira, 15 de julho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXV)



Fico me perguntado, diariamente, o que os melhores humoristas brasileiros do século XX escreveriam sobre a dupla pandemia: a doença e o governo. Material para dissecar a situação não falta. Todo dia surge uma bobagem, um ato falho, provas inequívocas de incompetência, racismo, homofobia, fake news e covardias diversas.

Como os neofascistas não são fluentes em interpretação de texto, Apparicio Fernando de Brinkerhoff Torelly, mais conhecido como Barão de Itararé, deitaria e rolaria com as dificuldades em distinguir entre A Manha, A Manhã e Amanhã, entre descrição e discrição, entre trás e traz. Depois, mostraria, entre trocadilhos e frases de efeito, os defeitos dos ressentidos e ignorantes.  

Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto, preencheria vários volumes do novo Febeapá (Festival de Besteiras que Assolam o País) com os desvarios produzidos pelos Ministérios da Educação e da Saúde, destacando a incontestável intelectualidade de Abraham Weintraub e o seu futuro na Academia Brasileira de Letras. 

 


No texto de Nelson Rodrigues, a garota cloroquina, chupando Chicabom na praia de Copacabana, está esperando pelo amante – que foi participar de uma “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Na cena seguinte, ambos os dous, estão cometendo outros ilícitos na suíte super-mega-ultra-premium de algum motel da Barra da Tijuca. O marido, avisado por um deputado esquerdista, flagra o adultério e adultera a imagem do macho-alfa pedindo para participar do surubão.   

Millôr Fernandes, ciente de que Nós, os humoristas, temos bastante importância para ser presos e nenhuma para ser soltos, proclamaria, com brado retumbante e ao som do mar e à luz do céu profundo, que É preciso ter coragem. É preciso dar pseudônimo aos bois. E descreveria a manada em diversas Fábulas Fabulosas.  

Se a turma do Pasquim pudesse se reunir outra vez, provavelmente fariam inúmeros brindes com suco de laranja em louvor de Damares, aquela que viu Jesus na goiabeira. Na capa da edição extraordinária do jornal, Ricardo Salles, com motosserra na mão e sorriso Colgate no rosto, exclamaria: A oportunidade que nós temos, que a imprensa está nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais, de desregulamentação, simplificação, todas as reformas.  

Os redatores de Bundas provavelmente contratariam Alice para escrever uma série de artigos sobre o país das maravilhas, abordando o entretenimento que surge quando negros detestam negros, homossexuais odeiam homossexuais e políticos, em nome da integridade, da moral e dos bons costumes, aceitam propinas.

Na escolinha do Professor Raimundo, o show poderia ser protagonizado por Rolando Lero, Aldemar Vigário e Armando Volta – símbolos da enrolação e da cretinice.

Como parte do Casseta e Planeta aderiu à ignominia, eles perderam o direito de meter o cassete no planeta nazistóide.



Herói da resistência, e único sobrevivente de uma geração perdida, Luiz Fernando Veríssimo continua exercendo aquele tom de classe média com curso superior. Mas, justiça seja feita, ele não se omite e segue dizendo o que é necessário dizer sobre essa onda que desandou nos tristes trópicos ao sul do Equador.

A Porta dos Fundos lançará um picante vídeo sobre os fundos que importam no sanatório geral que caracteriza a (des)ordem e o progresso pátrio.

Faltou alguém? É possível, pois somos o país da piada pronta (embora muitas tenham perdido a graça, permitindo que o humor se transformasse em desgraça).


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