Fico me perguntado, diariamente, o que
os melhores humoristas brasileiros do século XX escreveriam sobre a dupla
pandemia: a doença e o governo. Material para dissecar a situação não falta. Todo
dia surge uma bobagem, um ato falho, provas inequívocas de incompetência, racismo,
homofobia, fake news e covardias diversas.
Como os neofascistas não são fluentes em
interpretação de texto, Apparicio Fernando de Brinkerhoff Torelly, mais
conhecido como Barão de Itararé, deitaria e rolaria com as dificuldades em
distinguir entre A Manha, A Manhã e Amanhã, entre descrição e discrição, entre
trás e traz. Depois, mostraria, entre trocadilhos e frases de efeito, os
defeitos dos ressentidos e ignorantes.
Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto, preencheria vários volumes do novo Febeapá (Festival de Besteiras que Assolam o País) com os desvarios produzidos pelos Ministérios da Educação e da Saúde, destacando a incontestável intelectualidade de Abraham Weintraub e o seu futuro na Academia Brasileira de Letras.
No texto de Nelson Rodrigues, a garota
cloroquina, chupando Chicabom na praia de Copacabana, está esperando pelo
amante – que foi participar de uma “rachadinha” na Assembleia Legislativa do
Rio de Janeiro. Na cena seguinte, ambos os dous, estão cometendo outros ilícitos
na suíte super-mega-ultra-premium de algum motel da Barra da Tijuca. O marido,
avisado por um deputado esquerdista, flagra o adultério e adultera a imagem do
macho-alfa pedindo para participar do surubão.
Millôr Fernandes, ciente de que Nós, os
humoristas, temos bastante importância para ser presos e nenhuma para ser
soltos, proclamaria, com brado retumbante e ao som do mar e à luz do céu
profundo, que É preciso ter coragem. É preciso dar pseudônimo aos bois. E
descreveria a manada em diversas Fábulas Fabulosas.
Se a turma do Pasquim pudesse se reunir outra
vez, provavelmente fariam inúmeros brindes com suco de laranja em louvor de
Damares, aquela que viu Jesus na goiabeira. Na capa da edição extraordinária do
jornal, Ricardo Salles, com motosserra na mão e sorriso Colgate no rosto,
exclamaria: A oportunidade que nós temos, que a imprensa está nos dando um
pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais, de
desregulamentação, simplificação, todas as reformas.
Os redatores de Bundas provavelmente contratariam
Alice para escrever uma série de artigos sobre o país das maravilhas, abordando
o entretenimento que surge quando negros detestam negros, homossexuais odeiam
homossexuais e políticos, em nome da integridade, da moral e dos bons costumes,
aceitam propinas.
Na escolinha do Professor Raimundo, o
show poderia ser protagonizado por Rolando Lero, Aldemar Vigário e Armando
Volta – símbolos da enrolação e da cretinice.
Como parte do Casseta e Planeta aderiu à
ignominia, eles perderam o direito de meter o cassete no planeta nazistóide.
Herói da resistência, e único
sobrevivente de uma geração perdida, Luiz Fernando Veríssimo continua exercendo
aquele tom de classe média com curso superior. Mas, justiça seja feita, ele não
se omite e segue dizendo o que é necessário dizer sobre essa onda que desandou
nos tristes trópicos ao sul do Equador.
A Porta dos Fundos lançará um picante
vídeo sobre os fundos que importam no sanatório geral que caracteriza a
(des)ordem e o progresso pátrio.
Faltou alguém? É possível, pois somos o
país da piada pronta (embora muitas tenham perdido a graça, permitindo que o
humor se transformasse em desgraça).
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