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quarta-feira, 29 de julho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXXIX)



A vida é movimento? Sim. Nada está em repouso. Todas as ações estão conectadas com a velocidade. Rapidez e lentidão são variáveis da existência humana. 

O Covid-19 surgiu como uma espécie de freio. Diminuir as atividades, impondo um ritmo mais vagaroso, menos agitado, deveria servir como um ponto de reflexão sobre o que nos levou (em vários momentos) até esse beco sem saída. Não foi o que aconteceu, não é o que está acontecendo. Ao contrário, todos (no mínimo, aqueles que dependem da atividade econômica) estão ansiosos para voltar à normalidade.

Esquecem que é impossível restabelecer uma situação que deixou de existir. O normal e o novo normal são construções utópicas – delírios de quem ainda não percebeu que não há um ponto de retorno. É você que ama o passado / e que não vê / que o novo sempre vem, como cantou Belchior, profeta menor nessa terra de desastres maiores.

Depois que for encontrada uma vacina (e a possibilidade de isso não acontecer existe), teremos uma situação inédita, algo semelhante às ruínas deixadas por uma guerra ou a erupção de um vulcão. Será necessário reconstruir a terra arrasada.

Essa visão realista parece não estar conectada com as ações dos governos – que estão tentando reabrir as áreas comerciais (com algumas restrições). Mas, convém ressaltar, esse tipo de ação não representa falta de informação ou algum tipo de discussão sobre estratégias alternativas. Como sempre acontece em situações-limite, falta coragem, determinação, coerência e vontade política. Diante da ameaça de que parte da economia pode entrar em colapso, os gritos de empresários são acalmados com concessões e promessas de financiamentos com juros insignificantes. A política se transformou em apêndice da economia.

Nesses termos, ao contrário do que seria sensato promover, que é a proteção da população em geral, os governos decidiram sacrificar a força de trabalho. A constante movimentação de uma massa de trabalhadores pelas ruas das cidades terá como consequência a circulação mais efetiva do vírus e, consequentemente, o aumento no número de infectados e de mortos. Mas essa questão (assim como o colapso do sistema hospitalar) não é considerada como prioridade. O que importa é o tilintar das caixas registradoras.

No outro lado da corda, qualquer manifestação contrária e ou movimento grevista costumam receber tratamento diferenciado: gás lacrimogênio, bala de borracha e cassetete. O autoritarismo, depois dos atos de violência, costuma – como se isso não representasse um grande problema – pedir que todos contribuam para a causa comum, o que, obviamente, representa achatamento salarial, aumento de impostos e das horas trabalhadas e, em tempos de pandemia, risco de morte.  

Na equação em que aqueles que estão em posição de liderança não conseguem encontrar um resultado que seja satisfatório para todos, a produção econômica (independente das relações de consumo) surge como o acelerador da velocidade social.

Sic transit gloria mundi.



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