Em alguns momentos (não muitos), tenho vontade
de tornar pública a minha opinião sobre a crise política que o Brasil enfrenta
atualmente. Essa pretensão de dar palpite em algo que está momentaneamente fora
do meu alcance desaparece dez minutos mais tarde – e isso me impede o amargar algum
tipo de arrependimento.
No mundo em que o Google fornece
resposta para qualquer pergunta, as pessoas passaram a acreditar que podem
opinar sobre todos os assuntos. Da física nuclear ao direito constitucional, do
manejo do gado ao melhor candidato nas próximas eleições, do melhor brinquedo
na Disneylândia até o funcionamento dos shoppings – não há limite para essa
ansiedade.
Lembro que Mestre João Rath, do alto de
sua sabedoria infinita, costumava repetir uma frase latina que anda quase
esquecida, Sutor, ne ultra crepidam, que, em tradução ligeira, significa não
vá o sapateiro além das chinelas. Isto é, por mais “sabido” que seja o
indivíduo, há momentos e assuntos em que a prudência recomenda a abstenção. Na
linguagem popular, em boca fechada não entra mosca.
Mesmo assim, sabendo dos riscos que
corro, e contrariando o primeiro parágrafo deste texto, vou tentar estabelecer (de maneira superficial) algumas considerações,
quase todas baseadas na literatura.
No mundo conturbado em que vivemos, onde
todos estão em posição de combate, falta a busca da leveza como reação ao peso
do viver. Infelizmente, Ítalo Calvino (1923-1985) tinha outra perspectiva do
futuro, jamais imaginou que o mundo iria se prostrar aos pés do caos, louvando
o triunfo da insanidade e o império da barbárie.
Diariamente intuo que Franz Kafka (1883-1924)
está vivo. Foi ele que disse que há esperança – só que não para nós, antecipando
essa nova versão da peste negra. Como acréscimo, a distopia religiosa
fundamentalista que nos cerca ultrapassa a lógica cartesiana, porque sustenta a
destruição como forma de recriar a pureza. Ao indivíduo comum resta ter consciência
de que será condenado, mais cedo ou mais tarde, por um crime incompreensível.
Outra impressão recorrente está
relacionada com a República de Saló, a perversão baseada em texto de
Donatien Alphonse François, o Marquês de Sade (1740-1814), e reinterpretada no cinema
por Pier Paolo Pasolini (1922-1975). Nessa metáfora desvairada das relações de
poder, onde o fascismo estabelece as diferenças elementares entre o opressor e
o oprimido, entre o humano e o fantoche, o horror só adquire status de existência
porque, em momento impreciso, os indivíduos precisaram fazer uma escolha e preferiram
eliminar a lucidez (palavra que deriva do latim lux, luz).
O destino dos profetas é pregar no deserto.
Na Grécia mitológica, Cassandra podia prever o futuro – mas Apolo a amaldiçoou e
ela ficou desacreditada. Provavelmente, no Brasil aconteceu fenômeno similar. Apesar
dos avisos, poucos perceberam que estavam à beira do abismo – uma parcela da
população preferiu dar um passo à frente.
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