Segunda-feira é dia de ir ao
supermercado. Depois de dois dias trancado dentro de casa, foi bom estar na rua.
Apesar do perigo anunciado pelo agravamento da pandemia no Planalto Serrano, senti
a necessidade psicológica de ir a algum lugar mais longe do que a lixeira do
prédio.
Dentro do templo do consumo, fui escolhendo os produtos
e colocando-os na cestinha. Entrei na fila do caixa, procurando manter a distância
mínima com as outras pessoas. Na minha vez, o atendente começou a somar as compras.
E a história poderia terminar por aqui, exceto por um detalhe quase
insignificante: não encontrei o cartão de crédito. Vasculhei a carteira, os
bolsos, a memória. Onde será que o deixei?
Sem alternativa, sem o dinheiro de
plástico, nada restou senão pedir desculpas e abandonar os produtos que
pretendia comprar. Fui para casa. Enquanto percorria as três quadras que separam
os dois pontos, fiquei imaginando quantos aborrecimentos teria que enfrentar se
o cartão desaparecer para todo o sempre. Além de registrar Boletim de Ocorrência
na delegacia, far-se-á necessário ir ao banco, explicar que sou distraído e que perdi o
cartão. A pior parte dessa comédia inclui ouvir um desinteressado “Isso acontece
todo dia”, seguido de algum riso nervoso e a promessa de cancelamento imediato. Depois de assinar alguns formulários, alguém me avisará que terei que esperar algum tempo até que providenciem um cartão provisório ou um novo. Não é
isso o que eu quero.
Nessas horas, como um prêmio, a dor de
cabeça se manifesta. O incômodo vai se espalhando lentamente, parece uma torneira que não para de pingar. Para agravar, lembrei que dormi
mal na noite anterior, a insônia apareceu depois das 04h30min e só me largou lá
pelas 06h30min. Então, também acrescentei esse elemento na lista de desgraças.
O cartão tem que estar em algum lugar,
disse para mim mesmo, como se o destino do mundo se baseasse nesse fio de
esperança. Ao entrar no apartamento, comecei a procura nos lugares óbvios – que
são os locais onde nunca encontramos o que estamos procurando. A sensação de que
algumas coisas estão em constante estado de fuga sempre me atormentou. E isso
parece se agravar em momentos críticos. Mais um tópico para conversar com o
psicanalista (por enquanto, inexistente).
Depois de vasculhar o apartamento, sentei
no sofá do escritório. Repassei as últimas vezes em que usei o cartão de crédito.
Não pedi comida pelo telefone no domingo. Mas,... ah, surgiu um luz no final do
túnel. No sábado à noite... Então,... onde foi parar o desaparecido? No bolso do moletom,
junto com o comprovante da máquina de crédito.
Olhei para aquele retângulo que
substitui as cédulas e as moedas e amaldiçoei o capitalismo, o Covid-19, o
governo federal e as ilusões da modernidade. Para não perder a oportunidade,
incluí nas ofensas mais umas cinco ou seis pessoas que detesto. Acumular
amarguras faz mal para a saúde emocional e válvula de escape que se preze deve
ser bem abrangente.
Voltei ao supermercado. Refiz as
compras, incluindo itens que não estavam na lista original. Chocolate e
Coca-Cola, por exemplo. Um pouco de açúcar se faz necessário para diminuir o
estresse, para encobrir as trapalhadas.
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