Adolescência. Óleo sobre tela, 1941. Salvador Dali. |
Todo mundo sonha. Dizem. Das coisas
alheias pouco sei – exceto o que me contam e o que leio. O que posso afirmar
com segurança é que nos últimos tempos tenho dormido quase oito horas ininterruptas
e em suave serenidade infantil. Raramente há interrupções no sono.
Em outros tempos, tinha sonhos
recorrentes com a família. Hello,
darkness, my old friend / I’ve come to talk with you again. O
eterno conjunto de desacertos que a vida nos presenteia. Em algum momento,
talvez tenha apertado o parafuso frouxo (como dizia minha avó) e solucionado o
problema. Nunca mais apareceram.
Também era comum a sensação do déjà vu,
a ilusão de reconhecer um lugar em que nunca estivemos. Ao acordar, ficava
tentando lembrar daquilo que parecia próximo e não era. Bizarro.
O surrealismo foi o movimento artístico
que mais valorizou os sonhos. Anarquistas, eles acreditavam que a arte não deve
ficar atrelada à lógica e à razão – cabe à imaginação ultrapassar essas
barreiras e estar receptiva para todas as possibilidades da mente humana. Nas
pinturas de Salvador Dali (1904-1989) e René Magritte (1898-1967) percebe-se o
radicalismo desse posicionamento.
Recentemente, sonhei que estava em sala
de aula. Não consegui descobrir se estava lá como aluno ou professor. Era um
daqueles dias de sol escaldante, todo mundo de bermuda e camiseta. Muita gente
entrando e saindo da sala, conversas paralelas ensurdecendo o mundo. Pareceu-me
que algum rock comportado dava o tom da trilha sonora. Sentado em uma carteira
estava um ex-colega do segundo grau. Faz muito tempo que perdemos o contato e,
salvo banalidades, nunca tivemos interesses convergentes. No sonho, ao
contrário, parecia que éramos amigos íntimos. E o mais estranho, o tempo ainda
não tinha produzido muitos estragos em nossos corpos. Éramos alegres e
cabeludos. Tínhamos 16, 17 anos. Depois de trocar algumas palavras com ele e algumas
pessoas que não conheço, deixei a sala, caminhei pelo corredor e... acordei.
Durante a manhã, procurei por alguma coerência
nesse sonho. Não precisei ir longe. No ritmo da automedicação, conclui que não
era caso de internamento psiquiátrico, tampouco havia motivo para marcar
consulta com o doutor Sigmund – o bisbilhoteiro do inconsciente humano. Também
lembrei que, em tempos longínquos, fiz uma disciplina de pós-graduação com o Sergio
Medeiros (Onirismo e Nonsense). Foi uma bagunça. Alunos demais. Quem chegava
atrasado não conseguia lugar para sentar. O ar condicionado não estava
funcionando. As Aventuras de Alice no País das Maravilhas e alguns limeriques. Acho
que foi isso.
Posso estabelecer algum tipo de ligação
entre essas aulas e o sonho? Sou da turma que acredita que nada acontece por
acaso. Sempre há um fio solto dentro do labirinto e que raras vezes aponta para
a saída. O usual costuma ser um convite para tomar chá com o Chapeleiro Louco (Mad
Hatter) e a Lebre de Março (March Hare). Como ainda não descobri o que há de errado
com os passeios oníricos – exceto, claro, os gritos da Rainha de Copas (que ordena, a
todo instante, Cortem-lhe a cabeça) – quero continuar sonhando. Será pedir
muito?
The blank signature. Óleo sobre tela, 1965. René Magritte. |
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