Estou funcionário público municipal faz
35 anos. Não foi fácil sobreviver. Vou me aposentar no primeiro dia em que for
possível. Isso deve acontecer em cerca de um ano e meio – se os deuses do
Olimpo colaborarem (ou não atrapalharem). Provavelmente farei uma festa para
comemorar.
Nesse período recebi vários rótulos: marajá,
vagabundo e, recentemente, parasita. A cereja do bolo, nesse amontoado de
elogios de primeira grandeza, encontra-se na insinuação de que todos os funcionários
públicos são corruptos e que fazem qualquer coisa para receber algum por fora.
Mas, no meu caso em particular, para decepção dos desafetos, soube resistir ao
canto das sereias ou às promessas faustianas. Vivo do salário e não tenho
imóvel, carro, dólar.
Enfim, sou apenas um trabalhador de classe
média baixa. Ocupei cargo de confiança (terceiro escalão) apenas uma vez, a long
time ago in a galaxy far far away. Depois, ah, o depois costuma engolir o futuro, tudo que é
solido desmancha no ar, essas bossas velhas que parecem ser novas quando são embrulhadas
em papel colorido, amarradas com laço de fita e outras enganações.
Tive chefes de diversos matizes. De alguns
tenho excelentes recordações e boas histórias. Por razões de autopreservação,
não citarei os medíocres – é o melhor a fazer, destinados que estão ao
esquecimento (lugar de onde não deveriam ter saído).
Em um dos muitos exílios a que fui condenado,
o arquivo público, passava os dias relacionando requerimentos em um livro
enorme. Era uma espécie de castigo de Sísifo, visto que a mesma tarefa se repetia
ad infinitum. Para surpresa geral, um dia pedi licença sem vencimentos e fui
para a Europa. Voltei dois meses depois, cheio de vigor. A mesma postura adotei quando decidi fazer mestrado.
Dois anos longe, arejando a mente, respirando outros aromas. Não sei se alguma
coisa mudou (para melhor ou pior), mas tenho certeza que foi bom me afastar da
agitação naquele momento.
Alguns anos mais tarde, quando fiz o doutorado,
a situação era outra, foi um período mais tranquilo, não houve necessidade de
pedir licença. O que realmente marcou, nessa etapa da brincadeira, foram as
estafantes viagens nas terças-feiras. Acordava às seis da manhã e voltava para
casa depois da meia-noite, cansado e com fome. Na manhã do dia seguinte,
precisava estar na repartição (passava o dia bocejando).
Comecei, em 1985, no Departamento de
Cultura (na época, vinculado à Secretaria de Educação). O que se seguiu foi
estranho e exigiu resiliência. Estive a disposição da Associação Tradicionalista
Gaúcha de Santa Catarina (Ategesc, uma ancestral do Movimento Tradicionalista
Catarinense – MTG), do Gabinete do Vice-Prefeito, da Junta de Serviço Militar, da
Secretaria da Saúde, do Gabinete de Planejamento (Gaplan), do Arquivo Público, do
setor de Protocolo, da Câmara de Deputados, da Assembleia Legislativa de Santa
Catarina e do Fórum. Mas, na maior parte do tempo trabalhei na Assessoria de
Comunicação. É uma longa lista e que engloba 11 prefeitos (oito titulares e três
substitutos).
Das pessoas com quem convivi, e que –
por essas fatalidades da existência, não mais estão entre nós – quero continuar
lembrando o bom humor do João Vitor, a sabedoria de Estevam Borges e os
ensinamentos de Nereu Goss – meu guru. Foram eles que tornaram alguns dias
menos amargos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário