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quinta-feira, 9 de julho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CIX)



Estou funcionário público municipal faz 35 anos. Não foi fácil sobreviver. Vou me aposentar no primeiro dia em que for possível. Isso deve acontecer em cerca de um ano e meio – se os deuses do Olimpo colaborarem (ou não atrapalharem). Provavelmente farei uma festa para comemorar.

Nesse período recebi vários rótulos: marajá, vagabundo e, recentemente, parasita. A cereja do bolo, nesse amontoado de elogios de primeira grandeza, encontra-se na insinuação de que todos os funcionários públicos são corruptos e que fazem qualquer coisa para receber algum por fora. Mas, no meu caso em particular, para decepção dos desafetos, soube resistir ao canto das sereias ou às promessas faustianas. Vivo do salário e não tenho imóvel, carro, dólar.

Enfim, sou apenas um trabalhador de classe média baixa. Ocupei cargo de confiança (terceiro escalão) apenas uma vez, a long time ago in a galaxy far far away. Depois, ah, o depois costuma engolir o futuro, tudo que é solido desmancha no ar, essas bossas velhas que parecem ser novas quando são embrulhadas em papel colorido, amarradas com laço de fita e outras enganações.

Tive chefes de diversos matizes. De alguns tenho excelentes recordações e boas histórias. Por razões de autopreservação, não citarei os medíocres – é o melhor a fazer, destinados que estão ao esquecimento (lugar de onde não deveriam ter saído).

Em um dos muitos exílios a que fui condenado, o arquivo público, passava os dias relacionando requerimentos em um livro enorme. Era uma espécie de castigo de Sísifo, visto que a mesma tarefa se repetia ad infinitum. Para surpresa geral, um dia pedi licença sem vencimentos e fui para a Europa. Voltei dois meses depois, cheio de vigor.  A mesma postura adotei quando decidi fazer mestrado. Dois anos longe, arejando a mente, respirando outros aromas. Não sei se alguma coisa mudou (para melhor ou pior), mas tenho certeza que foi bom me afastar da agitação naquele momento.

Alguns anos mais tarde, quando fiz o doutorado, a situação era outra, foi um período mais tranquilo, não houve necessidade de pedir licença. O que realmente marcou, nessa etapa da brincadeira, foram as estafantes viagens nas terças-feiras. Acordava às seis da manhã e voltava para casa depois da meia-noite, cansado e com fome. Na manhã do dia seguinte, precisava estar na repartição (passava o dia bocejando).



Comecei, em 1985, no Departamento de Cultura (na época, vinculado à Secretaria de Educação). O que se seguiu foi estranho e exigiu resiliência. Estive a disposição da Associação Tradicionalista Gaúcha de Santa Catarina (Ategesc, uma ancestral do Movimento Tradicionalista Catarinense – MTG), do Gabinete do Vice-Prefeito, da Junta de Serviço Militar, da Secretaria da Saúde, do Gabinete de Planejamento (Gaplan), do Arquivo Público, do setor de Protocolo, da Câmara de Deputados, da Assembleia Legislativa de Santa Catarina e do Fórum. Mas, na maior parte do tempo trabalhei na Assessoria de Comunicação. É uma longa lista e que engloba 11 prefeitos (oito titulares e três substitutos).

Das pessoas com quem convivi, e que – por essas fatalidades da existência, não mais estão entre nós – quero continuar lembrando o bom humor do João Vitor, a sabedoria de Estevam Borges e os ensinamentos de Nereu Goss – meu guru. Foram eles que tornaram alguns dias menos amargos.


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