Dos estrangeirismos vigentes no Brasil, o mais engraçado é o tal do spoiler,
derivado do verbo to spoil (estragar, arruinar) e que muita gente adotou como
uma regra social impeditiva de revelar algum fato que esteja incluído no
conteúdo de livros, filmes, série ou jogos.
Comigo isso não funciona. Nasci estraga-prazer. Se o fulaninho acredita que vou comprar um livro ou assistir
um filme sem saber do que se trata, pode tirar o cavalinho da chuva, que eu não
tô nem aí. Costumo procurar as resenhas, as críticas e as entrevistas. Sou um
curioso da indústria cultural. Aliás, ao escolher uma formação acadêmica
estruturada na literatura, considerei como vantagem poder comentar (em muitos
casos, dissecar) este ou aquele livro, filme, série, sem precisar me importar
com a opinião de quem ficou magoado porque o objeto perdeu a graça.
Quando me
contam sobre alguma particularidade de um texto ou de um filme, minha
curiosidade dobra. Quero ter a possibilidade de conferir a avaliação de quem
passou pela experiência antes de mim. Muitas vezes, esse destaque é fundamental
para uma melhor compreensão do todo. Ou então para ter certeza de que quem fez a
indicação não entende nada do assunto.
A lista de temas literários ou
cinematográficos é limitada, uns dez no máximo, sendo que os mais importantes
são o amor e a morte. Se João deixou Maria para poder casar com Clara, ninguém
vai estragar o meu entendimento sobre o texto/filme porque me contaram essa
fofoca. Então, o que importa quando decidimos assumir a persona do
leitor/espectador? O projeto estético, ou seja, a maneira como esse tema é
tratado, qual foi a linguagem escolhida, o ângulo da abordagem. O charme de Dom
Casmurro não está na história de uma presumida traição amorosa. O pulo do
gato está na escolha de um narrador em primeira pessoa que não é confiável. Em
nenhum momento ele permite que a acusada se defenda. Como se trata de uma visão
unilateral, tudo fica no plano da especulação.
No caso dos clássicos, o spoiler
não faz o menor sentido – exceto, obviamente, para o ignorante (aquele que
ignora). Se o sujeito não conhece a Ilíada, de Homero, convém impedir
comentários sobre a paixão de Helena e Páris, e que é esse fato que desencadeia
a Guerra de Tróia? As aspirações pequeno-burguesas de Emma Bovary precisam ser
esquecidas para não incomodar um provável leitor? É necessário omitir que, na
última cena de Casablanca (Dir. Michael Curtis, 1941), Rick Blaine permite que
o amor de sua vida, Ilsa Lund, viaje para os Estados Unidos com o marido, Victor
Laszlo, e ele fique sozinho – ou melhor, na companhia do Capitão Louis Renault?
Ah, quantas bobagens se comete em nome do politicamente correto! O spoiler é
anti-intelectual na medida em que cerceia a informação e inibe a debate. É
ideológico porque exige uma pureza impossível de se concretizar.
P.S: Não vou
perder meu tempo destacando o quando considero ridículos esses estrangeirismos
em uma língua tão rica e diversificada como é o português.
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