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terça-feira, 28 de julho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXXVIII)



Dos estrangeirismos vigentes no Brasil, o mais engraçado é o tal do spoiler, derivado do verbo to spoil (estragar, arruinar) e que muita gente adotou como uma regra social impeditiva de revelar algum fato que esteja incluído no conteúdo de livros, filmes, série ou jogos. 

Comigo isso não funciona. Nasci estraga-prazer. Se o fulaninho acredita que vou comprar um livro ou assistir um filme sem saber do que se trata, pode tirar o cavalinho da chuva, que eu não tô nem aí. Costumo procurar as resenhas, as críticas e as entrevistas. Sou um curioso da indústria cultural. Aliás, ao escolher uma formação acadêmica estruturada na literatura, considerei como vantagem poder comentar (em muitos casos, dissecar) este ou aquele livro, filme, série, sem precisar me importar com a opinião de quem ficou magoado porque o objeto perdeu a graça

Quando me contam sobre alguma particularidade de um texto ou de um filme, minha curiosidade dobra. Quero ter a possibilidade de conferir a avaliação de quem passou pela experiência antes de mim. Muitas vezes, esse destaque é fundamental para uma melhor compreensão do todo. Ou então para ter certeza de que quem fez a indicação não entende nada do assunto. 

A lista de temas literários ou cinematográficos é limitada, uns dez no máximo, sendo que os mais importantes são o amor e a morte. Se João deixou Maria para poder casar com Clara, ninguém vai estragar o meu entendimento sobre o texto/filme porque me contaram essa fofoca. Então, o que importa quando decidimos assumir a persona do leitor/espectador? O projeto estético, ou seja, a maneira como esse tema é tratado, qual foi a linguagem escolhida, o ângulo da abordagem. O charme de Dom Casmurro não está na história de uma presumida traição amorosa. O pulo do gato está na escolha de um narrador em primeira pessoa que não é confiável. Em nenhum momento ele permite que a acusada se defenda. Como se trata de uma visão unilateral, tudo fica no plano da especulação. 

No caso dos clássicos, o spoiler não faz o menor sentido – exceto, obviamente, para o ignorante (aquele que ignora). Se o sujeito não conhece a Ilíada, de Homero, convém impedir comentários sobre a paixão de Helena e Páris, e que é esse fato que desencadeia a Guerra de Tróia? As aspirações pequeno-burguesas de Emma Bovary precisam ser esquecidas para não incomodar um provável leitor? É necessário omitir que, na última cena de Casablanca (Dir. Michael Curtis, 1941), Rick Blaine permite que o amor de sua vida, Ilsa Lund, viaje para os Estados Unidos com o marido, Victor Laszlo, e ele fique sozinho – ou melhor, na companhia do Capitão Louis Renault? 

Ah, quantas bobagens se comete em nome do politicamente correto! O spoiler é anti-intelectual na medida em que cerceia a informação e inibe a debate. É ideológico porque exige uma pureza impossível de se concretizar.
 



P.S: Não vou perder meu tempo destacando o quando considero ridículos esses estrangeirismos em uma língua tão rica e diversificada como é o português.

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