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quarta-feira, 8 de julho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CVIII)



A poesia não vale o papel em que é impressa. Incontáveis vezes esse tipo de argumento se repete. E parece estar absolutamente correto – mas por motivo oposto ao do declarante. É que a poesia não tem preço. Não é mercadoria.

Sequer há utilidade para a poesia. Usualmente trata-se de algo que atrapalha os dias de praia e sol, que incomoda aos que gostam de astronomia e astrologia, que tem a aparência dos peixes abissais ou dos animais extintos.

Um verso expande a potência do verbo, despreza a verba, reverbera o vazio e institui o caos. O pensamento se desdobra em novas presenças, ausências, referências e reticências. A árvore que diz não ao asfaltamento do bom gosto.

Uma estrofe não compactua com o silencio e institui as frases com a violência dos vulcões que entram em erupção na primavera – exatamente quando todos julgam estar a salvo. A iluminação obliqua, a sombra inesperada, a sobra.

O poema incendeia a planície, ao som da onça com fome. O nascer da manhã confirma a desventura, nega a usura, abomina a clausura. A linguagem como resistência. A paciência de empilhar sentimentos e inaugurar catedrais de vento.

O poema respira a imensidão da Antártida no equinócio. Não quer fazer negócio com a ilusão. Não esconde a semelhança com a prece dos que não acreditam em deus. Esvai as certezas e acrescenta novas dúvidas, dívidas com a vida. 

O poema não escolhe caminho, nem ordem, nem ideias, nem se detém diante do iníquo. A expansão é o seu destino, desatino de quem escolhe acolher em abraços os que estão perdidos na imensa plantação de equívocos.  

O poema não faz prosa, não carrega ramalhetes para o amor, não suporta paredes ou comporta escafandros. O poema gosta da palavra sim, mas prefere dizer não. E isso não está em discussão. O poema é o poema e em si se basta.  




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