Adoro
drama contado em boteco. A frase é do Aldir Blanc, mas queria que fosse minha. Não
consigo disfarçar o gozo sádico quando o sujeito começa a contar as desventuras
amorosas, sejam elas reais ou imaginárias.
Evitei
usar a palavra alemã schadenfreude no parágrafo acima. Provavelmente
precisaria abrir parênteses para explicar o significado. Então, para evitar maiores
complicações prefiro gastar um parágrafo inteiro. A expressão designa, de
maneira singela, aquela situação em os mortais sentem prazer e/ou alegria com a
desgraça alheia. É uma espécie de bem feito!, mas com o charme europeu.
Quando
o indivíduo entra no bar gritando eu sou corno!, e eu vi duas dessas
situações, praticamente está exigindo que a plateia preste atenção no
espetáculo. Deve ter algo interessante (e miserável) para contar. Mesmo a mais
reles das narrativas, aquela que o marido chega em casa e encontra a digníssima
esposa (namorada, companheira, amante) praticando o bem-bom com um estranho, tem os seus atrativos.
O
distinto público quer saber como foi que isso aconteceu e, se não for pedir
demais, qual foi a reação dos envolvidos na trama. Olhos faíscam de
curiosidade, pois sabem que quanto mais desesperada está a vítima, mais
saborosa fica a história.
O
sujeito, enxugando o suor do rosto, começa lembrando as coisas que fez em favor da
traidora, o ressentimento batendo forte e atropelando qualquer razoabilidade. Para
dar tempero à desgraça, ele relata várias intimidades do casal. Os expectadores
não acreditam no que estão ouvindo, mas quem pode impedir a inundação depois
que a represa arrebentou? Na confusão, o traído também lembra alguns acontecimentos
domésticos (independente de terem contribuído para o desfecho fatal ou não), como
a compra do conjunto de panelas que custou uma fortuna e aquela vez que foi
forçado a ir à festa de casamento da sobrinha da sobrinha de uma ex-colega do
colegial. Aliás, os tempos de escola são um capítulo a parte, o queixoso amplia
o martírio ao recordar que poderia ter casado com fulana, mas não, preferiu ser
infeliz ao lado da pérfida messalina (sim, nesses momentos o vocabulário se
apresenta em trajes de gala, embora a plateia atenta imagine que essas duas
palavras são obscenidades cabeludas).
Quando
a narrativa se aproxima do desfecho, as pessoas ansiosas para conhecer
os detalhes sórdidos, invariavelmente o traído tem uma crise emocional e interrompe a
narrativa. Olhando para a parede, as lágrimas escorrendo em cascata, não consegue continuar. Nesse instante, alguém oferece um martelinho de cachaça para o desgraçado.
Desafortunadamente, o remédio não se mostra suficiente para destravar a voz acusadora.
O esforço de chegar até ali abalou as estruturas psíquicas do miserável. Está reduzido a um farrapo
humano. O público dispersa.
Nesse clima de desapontamento cabe lembrar, pela milionésima vez, a
história do Heládio, o aviador. Para evitar confusões desnecessárias, convém esclarecer que o sujeito era aviador de receitas médicas. O único “avião” que
entra nessa história é Cláudia, a sua esposa.
Em
uma tarde de agosto de algum ano que ninguém lembra mais, Heládio precisou buscar
alguns documentos em casa. Dois segundos após abrir a porta, ele (que tinha
alguns problemas de visão, mas não era surdo) ouviu tortuosos acordes da
sinfonia do amor. Pois é, Claudinha estava se divertindo com outro!
Será
que essa história vai terminar manchada de sangue?, perguntará o bisbilhoteiro. Nada
disso! Heládio derrubou (de propósito) duas cadeiras na cozinha. Foi um aviso
para que o casal fizesse um rápido intervalo na festinha. O amante, que estava
em trajes de Adão, naquela situação nada pode fazer para evitar o clichê,
escondeu-se embaixo da cama.
Heládio
pegou o envelope com os documentos, beijou a testa da esposa, e disse:
–
Você parece estar muito cansada, meu amor. Continue deitada, você precisa
recuperar as energias.
E
foi embora. O amante, que tinha energia de sobra, voltou para cima da cama e...
Dizem
que Heládio continua apaixonado por Cláudia. O amante, também.
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