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quarta-feira, 22 de julho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXXII)



Na quarentena, todos os dias parecem iguais. Simples ilusão de ótica. Estar em casa me ensinou que a rotina não é estática. Algumas mudanças, mesmo quando parecem imperceptíveis, alteram a ordem geral dos acontecimentos.

Hoje mudei o aparelho de televisão de lugar. Tirei do meu quarto e a coloquei em outro. Por algum motivo que foge da minha compreensão, a Rede Globo estava fora do ar. Alguém é capaz de dizer que tenho sorte por não assistir essa emissora “comunista”. Talvez, talvez. Mas, em contrapartida, ninguém merece ver os telejornais do SBT e da Record. Chamar aquilo de mundo-cão é elogio. E ultimamente só ligo a TV para ver o noticiário ou para induzir o sono. A televisão aberta (todos os canais) adotou o aborrecimento como conduta geral.

O que preciso destacar é que tenho me recusado a assinar os sistemas de transmissão a cabo. Não preciso disso. Sei que estou perdendo séries fantásticas, reprises de filmes maravilhosos e milhões de canais de entretenimento. Mas, também estou ciente do que estou ganhando. Administro a vida lendo, escrevendo, sonhando. Posso ficar algum tempo no sol, dormir oito horas por dia, escolher o que acessar na Internet. Enfim, gosto de fingir que sou livre.

Liguei o aparelho e o milagre aconteceu. O canal desaparecido foi encontrado. Alguns minutos mais tarde, enquanto lavava a louça (não é a minha tarefa doméstica favorita), desenrolei o fio condutor para algumas hipóteses sobre o que motivou esse fenômeno. Imaginei que pode ter ocorrido algum tipo de interferência (qual?) ou defeito na antena. Também não descartei um improvável aviso das “forças ocultas” sobre o que tenho direito de visualizar em rede nacional. Obviamente, não concluí nada. Nem poderia. O meu conhecimento sobre esses assuntos beira a nulidade. Como se não bastasse, a “bola de cristal” deve estar com defeito.

Decidi deixar a máquina de fazer doido (na definição certeira do Stanislaw Ponte Preta) onde está. Em outro momento, tentarei o retorno ao meu quarto. Pode ser que essa mudança temporária sirva para bagunçar alguma coisa dentro do aparelho e... Sei lá, como dizia um filósofo que não recordo o nome, a ordem cósmica não depende dos fatores que estão conectados com a lógica. Além disso, preciso entender que ela pode ficar melhor onde a deixei hoje a tarde.  Nesse caso, só haverá acesso quando necessário. Assim posso evitar a dispersão na hora da leitura noturna.  

Amanhã tenho outra tarefa para realizar. Se a preguiça deixar, iniciarei um processo de desapego dos suplementos culturais que acumulei durante anos. Percebi que não tenho mais necessidade de conservar aquela montanha de papel. No espírito Marie Kondo, vou adotar a mágica da arrumação. Não sei se estou preparado (emocionalmente) para isso, mas quero enfrentar a aventura. No esquema tentativa, erro e acerto tentarei descobrir utilidades para esses dias de reclusão voluntária. Ou seja, planejo mudar a rotina, mesmo que seja de forma insignificante.


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