Fui mexer nas estantes e encontrei alguns
romances e vários textos teóricos que, por algum motivo, não li. Provavelmente
os adquiri porque abordavam algum tema que, no momento da compra, me era
importante. Ou porque poderiam servir de suporte para algum trabalho futuro. Ou,
em hipótese mais provável, porque não consegui controlar a compulsão consumista.
Confesso que compro muitos livros que
não vou ler. A vida é muito curta para ler tudo. E, como não me adapto a
qualquer coisa que exija longo prazo, seguindo a minha vocação de perna-de-pau
nesse jogo em que não faltam craques, tento resolver as questões que estão mais
próximas, o velho esquema do aqui e agora. Resultado: a balbúrdia é inevitável,
incontornável, abraçável.
Uma questão auxiliar: alguns livros não
foram feitos para ser lidos página por página. Quem é que lê um dicionário
inteiro? Você precisa tê-lo para consulta, para servir de apoio em alguma
dúvida. O mesmo vale para as enciclopédias e alguns textos técnicos. São livros
que devem ficar guardados na estante, esperando pelo momento em que serão úteis.
Na cabeceira da minha cama, há uns
cinquenta volumes. São duas pilhas enormes. Em princípio, essa é a fila dos que
devo ler nos próximos meses. Mas, nas palavras de minha avó, os ovos e as
promessas foram feitos para serem quebrados. Ou seja, ao projetar leituras,
promovo o autoengano. A verdade é simples: costumo “furar a fila”,
principalmente com aqueles livros que chegam por último, a curiosidade
determinando as urgências. Mesmo assim, nesse passo cambaio, sigo na caminhada
e tendo como base a literatura brasileira contemporânea.
Outra dificuldade é estou viciado em lives literárias. Toda vez que vejo essas entrevistas (bate-papos, conversas, encontros,
discussões) “ao vivo e em cores” e que (na minha opinião) constituem o grande
espetáculo da quarentena, não consigo controlar a vontade de ler o(s) último(s)
livro(s) do(s) convidado(s). Então, se tenho o(s) texto(s) em casa, retiro-o(s) da
estante e o(s) coloco(s) em uma das pilhas – se não o(s) tenho, compro exemplar(es)
na Estante Virtual ou em alguma livraria on line.
O acúmulo se torna inevitável. Inclusive
porque não estou conseguindo ler, escrever e ouvir música na quantidade que
havia imaginado ser possível neste período em que estou em casa. Cuidar do
apartamento (descubro que não basta limpar, preciso não sujar), ir ao
supermercado e ao banco, resolver alguns problemas da minha mãe – tudo isso
ocupa um tempo que antes não conseguia dimensionar. Ou que não percebia.
Mas não é só isso. Estou fazendo uns
cursinhos Walita pela Internet. Nada muito acadêmico, mas constituem um esforço
de resistência cultural. E para cada uma dessas aulas, cabe algum tipo de
preparação – ler os textos de apoio, fazer algumas anotações, tentar contribuir
com o tema, etc. E isso engole algum tempo. Paralelamente, há o cinema (esse
primo da literatura). Em alguns momentos, abandono o mundo ordinário e me
obrigo a ficar quieto diante do computador, espectador de algum filme. Cada uma
dessas sessões dura cerca de uma hora e meia.
Estou ilhado pelos livros, pelos filmes,
pela Internet e pela vida doméstica. Não é ruim ser uma espécie de Robinson
Crusoé a-pós-a-moderna-idade. Ao contrário, é quase o paraíso. E agradeço
diariamente por tudo isso.
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