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sábado, 11 de julho de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (CXI)



Fui mexer nas estantes e encontrei alguns romances e vários textos teóricos que, por algum motivo, não li. Provavelmente os adquiri porque abordavam algum tema que, no momento da compra, me era importante. Ou porque poderiam servir de suporte para algum trabalho futuro. Ou, em hipótese mais provável, porque não consegui controlar a compulsão consumista.  

Confesso que compro muitos livros que não vou ler. A vida é muito curta para ler tudo. E, como não me adapto a qualquer coisa que exija longo prazo, seguindo a minha vocação de perna-de-pau nesse jogo em que não faltam craques, tento resolver as questões que estão mais próximas, o velho esquema do aqui e agora. Resultado: a balbúrdia é inevitável, incontornável, abraçável.

Uma questão auxiliar: alguns livros não foram feitos para ser lidos página por página. Quem é que lê um dicionário inteiro? Você precisa tê-lo para consulta, para servir de apoio em alguma dúvida. O mesmo vale para as enciclopédias e alguns textos técnicos. São livros que devem ficar guardados na estante, esperando pelo momento em que serão úteis.       

Na cabeceira da minha cama, há uns cinquenta volumes. São duas pilhas enormes. Em princípio, essa é a fila dos que devo ler nos próximos meses. Mas, nas palavras de minha avó, os ovos e as promessas foram feitos para serem quebrados. Ou seja, ao projetar leituras, promovo o autoengano. A verdade é simples: costumo “furar a fila”, principalmente com aqueles livros que chegam por último, a curiosidade determinando as urgências. Mesmo assim, nesse passo cambaio, sigo na caminhada e tendo como base a literatura brasileira contemporânea.

Outra dificuldade é estou viciado em lives literárias. Toda vez que vejo essas entrevistas (bate-papos, conversas, encontros, discussões) “ao vivo e em cores” e que (na minha opinião) constituem o grande espetáculo da quarentena, não consigo controlar a vontade de ler o(s) último(s) livro(s) do(s) convidado(s). Então, se tenho o(s) texto(s) em casa, retiro-o(s) da estante e o(s) coloco(s) em uma das pilhas – se não o(s) tenho, compro exemplar(es) na Estante Virtual ou em alguma livraria on line.

O acúmulo se torna inevitável. Inclusive porque não estou conseguindo ler, escrever e ouvir música na quantidade que havia imaginado ser possível neste período em que estou em casa. Cuidar do apartamento (descubro que não basta limpar, preciso não sujar), ir ao supermercado e ao banco, resolver alguns problemas da minha mãe – tudo isso ocupa um tempo que antes não conseguia dimensionar. Ou que não percebia.

Mas não é só isso. Estou fazendo uns cursinhos Walita pela Internet. Nada muito acadêmico, mas constituem um esforço de resistência cultural. E para cada uma dessas aulas, cabe algum tipo de preparação – ler os textos de apoio, fazer algumas anotações, tentar contribuir com o tema, etc. E isso engole algum tempo. Paralelamente, há o cinema (esse primo da literatura). Em alguns momentos, abandono o mundo ordinário e me obrigo a ficar quieto diante do computador, espectador de algum filme. Cada uma dessas sessões dura cerca de uma hora e meia.

Estou ilhado pelos livros, pelos filmes, pela Internet e pela vida doméstica. Não é ruim ser uma espécie de Robinson Crusoé a-pós-a-moderna-idade. Ao contrário, é quase o paraíso. E agradeço diariamente por tudo isso.


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