Tornaram-se recorrentes, nas redes
sociais (talvez por conta da pandemia, o que motivou uma série de jogos de
entretenimento), algumas brincadeiras com listas. Os dez melhores livros da
literatura brasileira, vinte jogadores de futebol e dois goleiros, oito
melhores atrizes da televisão, quinze filmes imperdíveis, as músicas que
mudaram o mundo, as melhores pinturas de todos os tempos, etc. Normalmente, deve-se
postar a foto de um desses elementos diariamente e escolher uma nova vitima para
perpetuar esse esquema de pirâmide.
Detesto listas. Simples assim. Habitualmente,
as listas são métodos de comparação entre grandezas diferentes, onde a hierarquização contribui para referendar alguns preconceitos e inúmeros equívocos. Será
possível dizer que Franz Liszt supera Gustav Mahler? Hendrik Johannes Cruijff jogou
futebol com mais talento que Lionel Andrés Messi Cuccittini? A superioridade de O Pagador de Promessas sobre Bacurau pode ser contestada? Nenhuma dessas
perguntas pode ser respondida com isenção intelectual. Inclusive, porque não
tratam de questões significativas. A ação de cada um dos objetos está limitada
pelas condições históricas de produção. Considerar que Manet pintava melhor do que
Velasques é ignorar as dificuldades técnicas para se conseguir, por exemplo, os
pigmentos adequados no século XVII – e isso significa, para dizer o mínimo, que
qualquer cotejo entre os dois pintores é absurdo.
Participei de algumas brincadeiras com
listas. Uma delas propunha o relacionar dos dez livros que mudaram a minha
vida. Postei dez capas de livros, mas não escolhi ninguém para levar o divertimento
adiante. Alguns dias depois, percebi que aquilo era inócuo.
Primeiro, porque é muito complicado
atribuir a um livro as minhas resoluções. Claro que várias leituras foram
importantes e me ajudaram a elaborar um pensamento mais organizado, com
argumentos mais sólidos. Mas, fui eu que me desloquei na direção do aprendizado
– o livro foi apenas um instrumento auxiliar.
Segundo, não acredito que a indicação de um livro (ou de dez) possa influenciar alguém a ler. A Internet se transformou em
um oceano de imagens, onde, por exemplo, a capa de O Deserto dos Tártaros, do
Dino Buzzati, não passa de uma fotografia que será esquecida cinco segundos
após ser visualizada. Ninguém vai ler esse livro só porque eu o considero muito
bom e o fiz integrar uma das minhas listas.
Terceiro, que juízo de valor deve ser
utilizado para fazer uma lista? Gosto pessoal? Conselho de fulano ou beltrano? As
indicações da Veja? Nenhum desses critérios possui valor. São abstrações.
Somente os inseguros se apoiam em listas, porque desta forma não precisam
decidir – alguém já decidiu por eles.
Quando alguém pede para fazer uma lista sobre
determinado assunto, as partes envolvidas precisam deixar transparente que o
resultado tem valor de suporte e não de algo que se solidifica como absoluto. O
paradoxo é esse: as listas costumam ser tomadas como algo estratificado,
inconteste (porque reúnem e resumem uma proposta). É o contrário. O valor da
lista está na transitoriedade, na possibilidade de ser desconstruída a qualquer
instante, seja mudando os itens, seja alterando a ordem em que estão dispostos. O mundo não vai mudar porque uma lista coloca
o sagu de vinho em melhor posição do que a gelatina.
Ias a estar na minha lista dos dez MAIS. agora tas fora. e vou fazer uma lista dos dez pioRS e tas fora também
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