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sexta-feira, 3 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (XII)




Estamos brincando de viver. A quarentena não é nenhum parque de diversão, mas não vejo nenhum problema em ficar em casa. Com bom humor, a diversão está garantida. Por outro lado, muitas pessoas reagem contra esse tipo de situação. Não conseguem conviver com a ausência da rotina, da segurança. A imobilidade produzida pelo estado de exceção se transforma em angústia e medo. Tenho vontade de lembrar para eles uns versos chicobuarquianos: Não se afobe, não / Que nada é pra já. Melhor evitar as confusões, talvez alguém possa responder com a metáfora desconcertante que encontramos na mesma música: Os escafandristas virão / Explorar sua casa / Seu quarto, suas coisas / Sua alma, desvão.

Ninguém está preso – no sentido estrito do termo. As autoridades de saúde estão recomendando o isolamento social – uma ação voluntária.  Infelizmente, nem sempre é possível resolver a relação com o mundo exterior pela tela do computador. Ir ao supermercado, à farmácia, ao banco – são ações inevitáveis. E, para algumas pessoas, arriscadas.



No meu caso é diferente, tenho prazer em ficar em casa. Pela primeira vez na vida, tenho um escritório espaçoso, estantes abarrotadas de livros, janelas enormes (que deixo abertas durante o dia). Leio e escrevo quando tenho vontade. Faço intervalos longos entre uma ação e outra, muitas vezes bebendo água, chá, suco de laranja ou Coca-Cola. Sentar no sofá e “dar um tempo”, mais do que uma atividade hedonista, me parece possuir o mesmo valor da meditação budista – ao longe, algum sussurro etéreo insinua que o nirvana está próximo. Teorias ou fantasias, a lição elementar que complementa o trabalho em casa indica que existem muitas maneiras de dizer não à produtividade mecânica.

Além disso, nunca fiz segredo sobre a minha falta de interesse no convívio social (família, colegas de trabalho, conhecidos de bares, etc.). Suporto o que for necessário, faço algumas concessões em nome dos hábitos civilizatórios, mas prefiro desfrutar da companhia dos meus livros – é assim que me sinto livre.

Ontem passei a tarde toda lendo história em quadrinho (comprei, pela internet, uns livretos da série Calvin & Haroldo). Como trilha sonora, o jazz de Ellis Marsallis e John Paul “Bucky” Pizzarelli. Primeiro, ouvi alguns CDs, depois acessei o Youtube. Gosto da música deles, gosto da música dos seus filhos. Não gosto de saber que eles estarão ausentes a partir de agora.


A quarentena trouxe à tona um tema que negamos diariamente: a transitoriedade da vida. Ler sobre a morte nos romances de Albert Camus e Thomas Mann ou nas cartas que Sêneca escreveu para Lucílio nos afeta de uma forma contornável, o espetáculo da imaginação não precisa ser interiorizado como uma perda “real”. Situação diferente ocorre quando o impacto está relacionado com familiares e/ou pessoas conhecidas. A dor causa mais dor, em um processo tautológico desmedido. Ninguém consegue ser estoico quando o mundo conhecido parece desabar.

Apesar de você / Amanhã há de ser / Outro dia, canta o menestrel. O terror será superado, o sol nos aquecerá – mas o mundo será outro. Não sei se melhor ou pior. A humanidade não se mostra mais humana depois de qualquer catástrofe – a História está repleta de exemplos.


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