Estamos brincando de viver. A quarentena
não é nenhum parque de diversão, mas não vejo nenhum problema em ficar em casa.
Com bom humor, a diversão está garantida. Por outro lado, muitas pessoas reagem
contra esse tipo de situação. Não conseguem conviver com a ausência da rotina,
da segurança. A imobilidade produzida pelo estado de exceção se transforma em angústia
e medo. Tenho vontade de lembrar para eles uns versos chicobuarquianos: Não se
afobe, não / Que nada é pra já. Melhor evitar as confusões, talvez alguém
possa responder com a metáfora desconcertante que encontramos na mesma música: Os
escafandristas virão / Explorar sua casa / Seu quarto, suas coisas / Sua alma,
desvão.
Ninguém está preso – no sentido estrito
do termo. As autoridades de saúde estão recomendando o isolamento social – uma ação
voluntária. Infelizmente, nem sempre é
possível resolver a relação com o mundo exterior pela tela do computador. Ir ao
supermercado, à farmácia, ao banco – são ações inevitáveis. E, para algumas
pessoas, arriscadas.
No meu caso é diferente, tenho prazer em
ficar em casa. Pela primeira vez na vida, tenho um escritório espaçoso, estantes
abarrotadas de livros, janelas enormes (que deixo abertas durante o dia). Leio
e escrevo quando tenho vontade. Faço intervalos longos entre uma ação e outra,
muitas vezes bebendo água, chá, suco de laranja ou Coca-Cola. Sentar no sofá e “dar
um tempo”, mais do que uma atividade hedonista, me parece possuir o mesmo valor
da meditação budista – ao longe, algum sussurro etéreo insinua que o nirvana
está próximo. Teorias ou fantasias, a lição elementar que complementa o trabalho
em casa indica que existem muitas maneiras de dizer não à produtividade mecânica.
Além disso, nunca fiz segredo sobre a
minha falta de interesse no convívio social (família, colegas de trabalho,
conhecidos de bares, etc.). Suporto o que for necessário, faço algumas
concessões em nome dos hábitos civilizatórios, mas prefiro desfrutar da
companhia dos meus livros – é assim que me sinto livre.
Ontem passei a tarde toda lendo história
em quadrinho (comprei, pela internet, uns livretos da série Calvin &
Haroldo). Como trilha sonora, o jazz de Ellis Marsallis e John Paul “Bucky”
Pizzarelli. Primeiro, ouvi alguns CDs, depois acessei o Youtube. Gosto da música
deles, gosto da música dos seus filhos. Não gosto de saber que eles estarão
ausentes a partir de agora.
A quarentena trouxe à tona um tema que negamos
diariamente: a transitoriedade da vida. Ler sobre a morte nos romances de
Albert Camus e Thomas Mann ou nas cartas que Sêneca escreveu para Lucílio nos
afeta de uma forma contornável, o espetáculo da imaginação não precisa ser
interiorizado como uma perda “real”. Situação diferente ocorre quando o impacto
está relacionado com familiares e/ou pessoas conhecidas. A dor causa mais dor,
em um processo tautológico desmedido. Ninguém consegue ser estoico quando o
mundo conhecido parece desabar.
Apesar de você / Amanhã há de ser / Outro
dia, canta o menestrel. O terror será superado, o sol nos aquecerá – mas o
mundo será outro. Não sei se melhor ou pior. A humanidade não se mostra mais humana
depois de qualquer catástrofe – a História está repleta de exemplos.
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