Um dos grandes problemas de quem precisa
escrever com frequência está em encontrar algum assunto novo e que este seja capaz
de despertar a atenção do leitor. Nem sempre isso é possível. Há quem diga que deu branco ou que as turbinas da criatividade foram desligadas
temporariamente. Desculpas – e que surgem nas mais variadas versões. Nenhuma
convence, mesmo quando verdadeiras. Na arena do entretenimento, os espectadores
querem ver sangue, muito sangue – com destaque para aqueles momentos Tarantino,
quando não há economia de catchup.
A felicidade é uma suave falta de
assunto, escreveu Rubem Braga. Há quem discorde, principalmente se o dead
line estiver mordendo no calcanhar. Dead line é uma expressão do jornalismo
e significa – em português castiço – desespero. Prazo final é apenas um
sinônimo. E nem é o mais importante.
A saborosa arte de enrolar o leitor,
também chamada de conversa fiada ou encher linguiça, costuma ser um momento
problemático na vida de um escritor. O usual é encontrar um tema qualquer e
improvisar – mesmo que o produto final não seja, digamos, uma Brastemp.
Da esquerda para a direita: Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Fernando Sabino, José Carlos de Oliveira. Sentados: Vinicius de Moraes e Sergio Porto. |
Nos casos em que a aflição por cumprir
algum prazo costuma causar gastrite e úlcera nervosa, há mil histórias. Uma das
mais famosas foi protagonizada, salvo engano, por Fernando Sabino e Rubem Braga.
O mineiro, em estado de total desalento, pediu (rogou, suplicou) para o capixaba
uma crônica emprestada. Queria um texto pouco conhecido. Fez uma revisão
básica, trocou palavras e acrescentou alguns detalhes. Com outro título,
publicou como se sua a crônica fosse. Algum tempo depois, a situação se
inverteu e foi a vez de Rubem pedir (rogar, suplicar) por auxílio. Recebeu de
volta o material que havia emprestado para Sabino. Fizeram-se as devidas
adaptações, inclusive um novo título, e o leitor foi enganado outra vez. Monsieur
Antoine Lavoisier provavelmente aplaudiria esse notável exemplo de aplicação prática
para sua lei mais famosa: Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se
transforma.
Para muitos cronistas, a habilidade de
escrever sobre o nada se resume na aplicação de uma fórmula. Joaquim Maria
Machado de Assis também padeceu desse mal. Em crônica de janeiro de 1862, no Diário
do Rio de Janeiro, entregou os pontos: Acho-me sinceramente vexado quando
apareço de alforge (sic) vazio, e mais vazia a alma, de com que entreter os
ócios do leitor. E, para não perder o bonde ou o tílburi, empilhou substantivos
e adjetivos. Com destreza, construiu outro castelo de areia.
O contista e cronista Marcelo Moutinho acrescentou
outro ponto de vista ao tema. Ele entende que, em alguns casos, a falta de
assunto se resolve com o drible da vaca (bola vai para um lado, jogador corre
pelo outro, o adversário fica sem saber o que está acontecendo). É um truque
interessante, que exige agilidade e jogo de corpo. Mas... Nem todo jogo
termina com a consagração do craque. Muito zagueiro de qualidade entregou o
ouro para o bandido em situação similar.
Enfim, escrever para entreter, ou se entreter,
é arte misteriosa. Em vários casos a sua relevância é igual à zero. Em outros
tantos, faz a diferença, vá lá, alguma diferença. No geral, a vida (e a
literatura) não passa de uma história contada por um idiota, cheia de som e
fúria, significando nada, como disse o bardo inglês – se é que ele disse isso.
Amanhã há de ser outro dia!
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