O declínio dos romances de aventura (imposto
pela modernidade tecnológica e pela ausência de áreas desconhecidas na Terra) e
o esvaziamento das fórmulas estruturais do romance policial permitiram que a
ficção científica ocupasse um lugar que estava ficando vazio.
É fácil, em um único parágrafo, desagradar
três áreas importantes do entretenimento cultural.
Geeks e nerds, furiosos, não hesitarão
em empunhar algum simulacro de sabre de luz e me advertir sobre os perigos que
envolvem the dark side of the force. A turma do submundo do crime não terá
dificuldades para encontrar algum pistoleiro de aluguel e resolver o problema rapidamente.
Tropas estelares desembarcarão no terreno baldio ao lado do prédio em que moro.
Cercado por todos os lados, nada mais me restará senão pedir perdão e retificar
o que escrevi no primeiro parágrafo. Isso não acontecerá, mas...
Ler ficção científica, em tempos de
Covid-19, me parece – do ponto de vista psicológico – salutar. O escapismo
(observar mundos paralelos, onde os “doentes” são os outros) antecipa, por
meios transversos, as situações extremas. Metáfora dos tempos sombrios que
estamos vivendo, a FC mostra – literariamente – a face do inimigo. Não importa
se a sua (dele) aparência for de um inseto gigante ou de um vírus que está disseminado
em tudo o que fazemos ou tocamos. A ficção antecipa a realidade.
Nos últimos meses, bem antes do Covid-19,
li os três volumes da série Fundação, do Isaac Asimov. Foi uma espécie de
passeio sentimental aos bosques do passado, lugar onde o adolescente que fui se
perdeu tantas vezes enquanto naves intergalácticas cruzavam o espaço sideral em
missões de colonização ou de aniquilamento de extraterrestres. Por algum
motivo, talvez ingenuidade, não consegui perceber – naqueles momentos de
outrora – que as histórias de faroeste que passavam na matinê do Cine Tamoio
estavam se deslocando para outro espaço geográfico. O insight só foi possível na metade dos anos 80. Era tarde demais. Estava viciado nas aventuras da USS
Enterprise, comandada pelo capitão James Tiberius Kirk. Um passo atrás estava uma
figura mítica e indecifrável: Spock (de origem vulcana). E, para não dar descanso,
os cinemas começaram a exibir Star Wars – no início, uma espécie de
bildungsroman de Luke Skywalker; depois, Darth Vader tomou conta da narrativa,
mas essa é outra história.
Porque estou lembrando isso? É para
dizer/escrever que li os três volumes da saga Guerra do Velho, do John Scalzi. Esses livros
não estavam na minha lista de prioridades de leitura. O que aconteceu? Alguns meses atrás, li um
artigo que destacava o militarismo colonialista na FC. De forma pouco usual, o
autor comparou Guerra do Velho com Coração das Trevas, de Joseph Conrad.
Fiquei curioso. Não me pareceu uma associação verossímil.
Comprei o livro, li as 360 páginas em
menos de uma semana e detestei. O neofascismo causa repugnância em qualquer
pessoa com um mínimo de sensibilidade política. A trama, centrada em
rejuvenescimento e em guerras genocidas, me assustou. Os momentos de reflexão
sobre os fatos são abafados pelas cenas de ação, pela necessidade de destruir.
Vários meses depois, neste período em
que todos nós fomos engolidos pela quarentena, resolvi deixar de lado as linhas de
leitura que me acompanham no dia a dia. Uma pausa, digamos assim. Então, Scalzi ganhou uma segunda chance.
Em As Brigadas Fantasmas, o texto está
mais articulado, com algum tipo de amarração entre a ação e a política. Tudo se
mostra tênue, artificial, mas, ao mesmo tempo, produz algum tipo de atração.
O terceiro volume, A Última Colônia, é
o melhor dos três. Consegue unir entretenimento com postura crítica. A
violência política, que joga com a vida, sem se importar com quantas mortes
produzirá, está explícita. No meio da leitura, parece-me que estava diante de um
romance realista – com algumas noções de marxismo. Evidentemente, isso é um engano. Mas, um engano feliz.
Resumindo: chega de FC por enquanto, estou
voltando para a literatura brasileira “séria” (seja lá o que isso possa significar). Tenho que diminuir a pilha de
prioridades urgentíssimas, esquecer momentaneamente alguns autores não me parece uma opção válida. Mas, no meio dessa confusão, sempre terei tempo para
revisitar a genial Úrsula Le Guin ou então mergulhar em um dos romances do Philip K. Dick que
estão na estante esperando por leitura.
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