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sexta-feira, 10 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA (XIX)





Um amigo me informou que o Covid-19 está a lhe fazer mal. Preocupado, perguntei se ele está gripado, se sente falta de ar, cansaço, dor de cabeça, coriza, febre, diarreia.  Ele respondeu que está bem, que não há motivo para apreensão, o problema é outro: está com vontade de comer sagu.

Essa piada talvez só tenha sentido para os sulistas. No Planalto Catarinense, por exemplo, o sagu é uma espécie de praga doméstica entre os doces. Qualquer restaurante, simples ou sofisticado, oferece a iguaria. A qualidade também oscila, vai do aguado até o cremoso, do agradável ao intragável.

Para surpresa dos mais renovados institutos de pesquisa que atuam no sul do Brasil, a popularidade do sagu ultrapassa a da gelatina em milhares de votos. Vejam que a comparação é com uma sobremesa que apresenta um índice de rejeição insignificante. Será que existe no mundo algum infeliz que detesta gelatina? Pouco provável. Não vale citar pessoas internadas em hospitais, que essas possuem motivos mais do que razoáveis para detestar gelatina.

As duas versões mais conhecidas do inigualável manjar dos deuses, o sagu, contam com defensores fervorosos. Experimentos com chocolate, laranja, paçoca, leite de coco, salada de frutas e outros ingredientes alienígenas são vigorosamente repudiados pelos defensores da reserva de mercado e da designação de origem. Querem oferecer um produto puro, sem misturas ou invenções gastronômicas.



A turma light adora quando é preparado com leite. Os habitantes do país que se localiza para lá dos campos que constituem as vacarias costumam chamar de “sagu de leite”, acentuando o de, como se isso fosse o elemento mais importante do mundo. Leva leite condensado, o que permite uma textura aveludada e que se contrapõe ao suave toque da canela, polvilhada por cima da guloseima.

O outro bando idolatra o sagu com vinho. Dizem os especialistas que quanto mais rústico for o vinho, melhor será o sagu. Obviamente, a palavra rústico é um eufemismo, o horário e as crianças na sala não permitem o uso do adjetivo correto. Dependendo da quantidade e da qualidade do cravo acrescentado no preparo do quitute, o sabor oscila entre o delicioso e o pavoroso. Pode ser consumido puro, com creme de baunilha ou com chantilly.  

Uma das lendas mais estranhas que liga a cidade com o sagu conta a participação de Vilson Pedro Kleinübing (1944-1998), político que ocupou os mais importantes cargos de Santa Catarina (Deputado Federal, Senador, Governador do Estado).  Ele costumava vir a Lages frequentemente e nem sempre era por razões administrativas. Normalmente se hospedava no Grande Hotel. Resolvidos os assuntos políticos, jantava no restaurante do hotel – que, na época, contava com cardápio internacional. Independente da refeição, a sobremesa era sagu. Dizia para quem quisesse ouvir que o sagu daquele restaurante era o melhor que já tinha provado em sua vida. Espectadores dessa cena afirmam que o sujeito parecia criança em loja de brinquedos.


Se isso é lenda ou verdade pouco importa. Na dúvida, o jornalismo costuma publicar a lenda – nem que seja por diversão. Segue o procedimento registrado no clássico O Homem que Matou o Facínora (The Man Who Shot Liberty Valance. Dir. John Ford, 1962), que, salvo engano, era um dos filmes favoritos do ex-governador.  

Em depoimento exclusivo para este texto, uma figura popular da região e que – neste caso, para evitar polêmicas – prefere ficar no anonimato, declarou que o sagu é um colar de pérolas alimentícias, abençoado pelos deuses e destinado a causar prazer às papilas gustativas dos mortais.

Sei lá... Louco é que não falta neste mundo.

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