Um amigo me informou que o Covid-19 está
a lhe fazer mal. Preocupado, perguntei se ele está gripado, se sente falta de ar,
cansaço, dor de cabeça, coriza, febre, diarreia. Ele respondeu que está bem, que não há motivo
para apreensão, o problema é outro: está com vontade de comer sagu.
Essa piada talvez só tenha sentido para
os sulistas. No Planalto Catarinense, por exemplo, o sagu é uma espécie de praga doméstica entre os doces. Qualquer restaurante, simples ou sofisticado,
oferece a iguaria. A qualidade também oscila, vai do aguado até o cremoso, do
agradável ao intragável.
Para surpresa dos mais renovados institutos
de pesquisa que atuam no sul do Brasil, a popularidade do sagu ultrapassa a da gelatina
em milhares de votos. Vejam que a comparação é com uma sobremesa que apresenta
um índice de rejeição insignificante. Será que existe no mundo algum infeliz
que detesta gelatina? Pouco provável. Não vale citar pessoas internadas em
hospitais, que essas possuem motivos mais do que razoáveis para detestar
gelatina.
As duas versões mais conhecidas do
inigualável manjar dos deuses, o sagu, contam com defensores fervorosos.
Experimentos com chocolate, laranja, paçoca, leite de coco, salada de frutas e
outros ingredientes alienígenas são vigorosamente repudiados pelos defensores da
reserva de mercado e da designação de origem. Querem oferecer um produto puro,
sem misturas ou invenções gastronômicas.
A turma light adora quando é preparado
com leite. Os habitantes do país que se localiza para lá dos campos que
constituem as vacarias costumam chamar de “sagu de leite”, acentuando o de,
como se isso fosse o elemento mais importante do mundo. Leva leite condensado,
o que permite uma textura aveludada e que se contrapõe ao suave toque da canela,
polvilhada por cima da guloseima.
O outro bando idolatra o sagu com vinho.
Dizem os especialistas que quanto mais rústico for o vinho, melhor será o sagu.
Obviamente, a palavra rústico é um eufemismo, o horário e as crianças na sala
não permitem o uso do adjetivo correto. Dependendo da quantidade e da qualidade do cravo acrescentado no preparo do quitute, o sabor
oscila entre o delicioso e o pavoroso. Pode ser consumido puro, com creme de
baunilha ou com chantilly.
Uma das lendas mais estranhas que liga a
cidade com o sagu conta a participação de Vilson Pedro Kleinübing (1944-1998),
político que ocupou os mais importantes cargos de Santa Catarina (Deputado
Federal, Senador, Governador do Estado). Ele costumava vir a Lages frequentemente e nem
sempre era por razões administrativas. Normalmente se hospedava no Grande Hotel.
Resolvidos os assuntos políticos, jantava no restaurante do hotel – que, na
época, contava com cardápio internacional. Independente da refeição, a
sobremesa era sagu. Dizia para quem quisesse ouvir que o sagu daquele
restaurante era o melhor que já tinha provado em sua vida. Espectadores dessa
cena afirmam que o sujeito parecia criança em loja de brinquedos.
Se isso é lenda ou verdade pouco
importa. Na dúvida, o jornalismo costuma publicar a lenda – nem que seja por
diversão. Segue o procedimento registrado no clássico O
Homem que Matou o Facínora (The Man Who Shot Liberty Valance. Dir. John
Ford, 1962), que, salvo engano, era um dos filmes favoritos do ex-governador.
Em depoimento exclusivo para este texto, uma figura popular da região e que
– neste caso, para evitar polêmicas – prefere ficar no anonimato, declarou que
o sagu é um colar de pérolas alimentícias, abençoado pelos deuses e destinado a
causar prazer às papilas gustativas dos mortais.
Sei lá... Louco é que não falta neste mundo.
Sei lá... Louco é que não falta neste mundo.
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