Durante muitos anos estive jornalista. Minha
graduação foi no curso de letras, especialização em literatura. Ou seja, minha
bagagem intelectual se situa em outros referenciais, muitas vezes distantes do
profissional “raiz”. Isso é bom e é ruim. Bom porque me colocou em vantagem
quando o material a ser trabalhado se referia ao jornalismo cultural. Ruim
porque me obrigou a escrever sobre assuntos outros que não são os do meu agrado
ou domínio. Tudo bem, uma das regras de ouro da profissão afirma que o jornalista é uma pessoa que sabe de tudo, mas não entende de nada.
Comecei escrevendo crônicas, resenhas de
livros e artigos de opinião. Foi divertido – enquanto durou. Isso significa um
período de uns 20 anos. Exerci a atividade, basicamente, em três veículos de comunicação: A Notícia (Joinville, SC), O Momento (Lages, SC) e O Escrivão da Serra (Lages, SC). Nesses três empregos o trabalho era remunerado. Esporadicamente,
publiquei no Correio Lageano e no Diário Catarinense (o que me causa arrependimento até hoje). A
proposição desses dois jornais é simples: a honra de ser publicado constitui pagamento
suficiente.
Em determinado momento passei para o
lado de dentro do balcão e comecei a viver o "sofrimento" na redação. Não sei se fiz boa
troca. A necessidade de pagar as contas me deixou sem alternativas. É um
serviço insano e que envolve mil complicações. Reescrever texto de analfabeto funcional é atividade trivial
perto do olhar para o outro lado e ignorar que existem – a cada instante – interesses
diversos em jogo. O jornalismo é um empreendimento tão desonesto quanto outro
qualquer.
Um dos momentos mais interessantes desse
percurso foi os 30 dias em que “estagiei” na redação do Anexo (suplemento
cultural de A Notícia), no final do século XX. Estava morando em Meia Praia
(Itapema, SC) e esperando o fim de uma greve na UFSC. Para garantir alguns trocados, escrevia artigos e resenhas e os enviava por fax. Muitas vezes ocorreram problemas de transmissão
– originando erros ou interpretações distantes do propósito inicial. No meio do
caos, perguntaram-me se queria substituir alguém que estava saindo em férias.
Aceitei. Valeu por uns três cursos universitários, mestrado e doutorado – tudo junto
e misturado. Embora eu tenha sido um aluno indisciplinado (e isso faz parte da
minha natureza), o aprendizado rende até hoje.
Tenho cópia física de algumas “matérias”
que escrevi nesse período, muitas vezes página inteira, reflexo de um tempo em
que o texto era valorizado e as imagens eram apenas complemento. A pasteurização
da notícia, promovida por um conglomerado que comprou os mais importantes
jornais de SC, não só implodiu a atividade profissional como contribuiu para o empobrecimento
do leitor (de várias maneiras).
Com a popularização da Internet, os
jornais físicos começaram a desaparecer. Além da competição quase que
massacrante dos jornais televisivos, que abocanharam parte substancial dos
anúncios, faltou perceber que o mundo estava em transformação. A recusa por
criar edições dinâmicas on line permitiu que muitos profissionais capacitados
migrassem para o formato de blog – onde podem negociar com o patrocinador sem a
intermediação de terceiros. Como afirmou, em outro contexto, Ryszard
Kapuscinski, quando se descobriu que a informação era um negócio, a verdade
deixou de ser importante.
Escrever em jornal significa “comprar
briga” (com a fonte da informação, com o texto, com os editores, com o departamento comercial
e – por que não? – com os leitores). Somatório de derrotas é a minha sugestão
de título para algum artigo que enfocar essa travessia do mar da
intranquilidade. Esclareço que isso não é blague de alguém que prefere, neste instante, ficar
longe do olho do furacão.
Por fim, quando se fala em jornalismo, é
necessário ter em mente duas versões da mesma tragicomédia: As pessoas não
param de confundir com notícias o que leem nos jornais (A. J. Liebling) e Imprensa
é oposição. O resto é armazém de secos e molhados (Millôr Fernandes).
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