São muitas as minhas dificuldades relacionadas
com a vida doméstica. Por exemplo, não tenho fogão. Por quê? Fiz uma escolha. Sou
um analfabeto culinário – do tipo que consegue estragar miojo. Habitualmente,
antes do Covid-19, almoçava fora todos os dias. À noite, sanduíche ou iogurte. Em
casos de fome extrema, há várias pizzarias próximas. Considerando que moro
sozinho, por que preciso de um equipamento que praticamente não será usado?
Claro que nem sempre foi assim. No outro
apartamento, cozinha minúscula, mal cabia geladeira, fogão e pia. Era difícil
se movimentar naquele espaço. A minha claustrofobia inexistente tinha vontade
de aparecer e dar um alô para o mundo. O fogão, simulacro de Esfinge grega,
ficava abandonado no canto.
Resolvi a questão eliminando o fogão. Simples
e objetivo. No entanto, estou consciente de que esses casos de racionalização pragmática
sempre resultam em novas confusões. Há o risco de algum imprevisto. A vida
sempre se apresenta como surpresa.
Em um desses dezembros que se perderam
na curva do tempo, uma de minhas irmãs resolveu visitar as filhas, a neta e a
nossa mãe. Ao telefone, perguntou-me se eu poderia lhe hospedar. Evidentemente,
respondi sem pensar. Ela me disse que chegaria dali a tantos dias. Estarei te
esperando, confirmei antes de desligar.
E agora, o que fazer? – disse para mim
mesmo, logo em seguida. É que me lembrei da ausência do fogão. A isso se somou
outro motivo para ficar apavorado: café. Essa bebida não faz parte do meu dia a
dia – minha irmã não consegue viver sem.
Quando estou em alguma enrascada, peço
socorro. Chamei o ilustre herdeiro de minhas dívidas e dúvidas, expliquei o drama
e pedi consultoria. Concluímos que comprar um micro-ondas poderia ser a resposta
mais simples para o conflito. Depois de escolher o aparelho adequado para as
minhas necessidades, parcelei em inúmeras vezes pelo cartão de crédito. Em
seguida, comprei café e açúcar.
Uma das primeiras coisas que minha irmã me
disse, logo depois de ter se instalado, foi: onde está o fogão? Expliquei que
as minhas necessidades de sobrevivência na selva urbana excluíram esse tipo de
utensílio. Em seguida, apresentei o micro-ondas novinho em folha. E completei o
raciocínio afirmando que assim é mais prático e você vai poder esquentar,
todas as manhãs, a água para o café! O olhar de desdém que recebi equivale ao
poder de destruição do iceberg que atropelou o Titanic.
Sou contra micro-ondas. Com essa frase
inesperada, minha irmã iniciou um discurso ludista. Ciente que havia me pego
desprevenido, ela aproveitou a oportunidade e relatou todos, todos!, os perigos
que se escondem por trás de alguns eletrodomésticos. Aparentemente, ela conhece
o assunto com profundidade.
Dez minutos mais tarde, atordoado, sem
saber o que dizer, nada mais me restou senão convidá-la para ir até a padaria e
fazer um lanche. Não consegui ver outra rota de fuga.
Resumo da ópera: foi uma semana longa, a
padaria gostou de ter uma cliente assídua, o vidro de café e o pacote de açúcar
estão intactos no armário (talvez seja hora de jogá-los fora). O micro-ondas
tem se provado útil para aquecer a água para o chá. Algumas vezes o usei para
esquentar comida. Não muitas.
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