Adilson era fanático por futebol. Maristela, coitada, perdeu a conta das vezes em que foi trocada por “uma pelada”. Bastava os amigos acenarem com a possibilidade de uma partidinha que Adilson logo ia tirando a roupa, digo, vestia calção, meião, chuteira e camiseta. Uniformizado, se dirigia para o campinho, ali ao lado do bar e mercearia Gre-nal.
Para a maioria do pessoal, o futebol era mero pretexto para que, depois do bate-bola, sempre rolasse cervejada, tira-gosto e a velha e batida conversa sobre conquistas amorosas. Todos tinham histórias sobre aventuras e desvarios com a mulher mais gostosa do planeta, modelo pôster central da Playboy. Adilson, sempre discreto nessas horas, baixava a cabeça e entre um gole e outro de água mineral (sem gás!), esperava os ânimos serenarem. Só um assunto o interessava: futebol. Aliás, sabia tudo sobre o valoroso esporte bretão. Era conhecido como o rei das estatísticas (escalações, placares, incidentes,...). Uma enciclopédia, o rapaz!
Foi graças ao futebol que Adilson conheceu Maristela, a sua chefe de torcida. Durante intervalo de um dos jogos do campeonato amador, embora torcessem por times diferentes, perceberam que, talvez, fosse interessante trocar flâmulas. Dito e feito. Mas, como só o é possível na vida real ou em guerra de torcidas, não foram exatamente felizes para sempre. Adilson vivia nos estádios – ora assistindo aos embates esportivos, ora estufando as redes dos times adversários. Adilson era um homem-gol. Quer dizer... mais ou menos, porque Maristela cansou de chamar o namorado para realizar alguns amistosos. Nessas partidas o craque preferia o drible e não comparecia em campo!
O desespero da moça foi tão grande que, por sugestão de um pai-de-santo, sacrificou duas galinhas pretas em uma encruzilhada. Cartomante, simpatias de são João, amarrar santo Antônio de cabeça para baixo, acompanhar novena – tudo em vão! E o namorado, lá no bar, encostado no balcão, tomando água mineral (sem gás!), o “minguinho” esticado, conversando sobre futebol. “É um desperdício essa falta de treino”, reclamava a moça, ansiosa por alguma goleada. Em um momento de fúria, disse para si mesma: “Esse zero a zero não pode continuar”.
Maristela vestiu “aquela” minissaia de couro (segundo Adilson, “tão bonita que parece a camisa da seleção”) e, rebolando o suficiente para desequilibrar o planeta, aceitou o convite de Adalberto, o “Betão da Penha”, para ir ao cinema, talvez um barzinho depois, a noite é uma criança, uma tabelinha daqui, um passe milimétrico dali e, quem sabe?, poderia até acontecer uma volta olímpica pelo estádio, a torcida delirante aplaudindo o artilheiro.
Antes do crime, Maristela mostrou que era adepta de formações agressivas: o seu time contava, no mínimo, com três atacantes e meio-de-campo ofensivo. Pediu para uma amiga que marcasse um gol contra: avisar Adilson que a namorada estava promovendo outro campeonato − e que, na qualidade de técnica, ela havia escalado um novo centroavante. No recado, ficou bem claro que se Adilson não melhorasse o condicionamento físico seria excluído do time. Nem no “banco” ficaria!
Apanhado no contrapé, o craque sentiu que o clima estava esquentando, aquela sensação horrível de levar o gol decisivo aos 48 minutos do segundo tempo. Precisava fazer alguma coisa. Quem sabe, reforçar a defesa?
Não, a tática deveria ser outra! Pelo menos foi esse o conselho que lhe deu “Jacaré”, o seu melhor amigo, logo depois que tomou conhecimento que Adilson estava na marca do pênalti. “Jacaré”, um ex-zagueiro do tipo “armário”, conhecido garanhão nas horas vagas, nem pensou duas vezes: mandou o perna-de-pau encostar na parada e dividir a bola; quer dizer, disputar o amor de Maristela. E, com a velha experiência dos cafajestes, recomendou um novo esquema de marcação: uma dúzia de rosas, caixa de bombons e um cartão apaixonado. “Essas frescuras custam um pouco caro, mas o placar final compensa o valor do ingresso”, arrematou diante do olhar do atleta, perplexo com tamanha sabedoria.
Infelizmente, a bola bateu na trave. A garota, cheia de mágoas, não quis conversa e mandou a encomenda de volta. E, para mostrar quem estava na zona de rebaixamento do campeonato, saiu, no final da tarde, de mãos dadas com o novo namorado. Na pracinha do bairro, mostrou para quem quisesse ver o espetáculo o quanto era carinhosa. O treino esquentou de tal maneira que o Betão da Penha perdeu o fôlego com tamanho potencial de jogo. E olhe que era somente a fase preliminar!
Adilson assistiu o adversário carimbar as faixas roendo as unhas. Inveja, despeito, ódio – todos os sentimentos análogos a derrota passaram por sua mente. Pela primeira vez na vida pediu uma dose de cachaça, lá no boteco do Antenor. O líquido desceu queimando a garganta, um estrago sem fim. Depois de umas três doses, ficou bêbado. Mas, ao contrário do que acontece em filme americano, não conseguiu coragem para ir até lá fora e dar uns socos na cara do canalha que lhe havia roubado a bola, digo, a mulher de sua vida. Na maior cena, idêntico a torcida de time que está em último lugar na tabela da competição, não se preocupou em secar as lágrimas que afloravam pelo rosto – uma cachoeira sem fim.
Mostrando que tudo não havia passado da mais pura catimba, Maristela, ao saber do vexame, abandonou o outro e foi socorrer Adilson. Levou o paspalho para casa, providenciou banho frio, fez massagens, café forte e velou pelo seu sono. Um mês depois estavam vivendo juntos.
P. S: Sei que esse final meloso é decepcionante, mas a vida está cheia de finais infelizes e esta é apenas uma história banal.
Raul, lembro do Betão da Penha em dois ou três episódios no Momento, há muitos anos, em textos muito bem humorados. Bem que ele merecia ser publicado e se tornar mais conhecido dos seus leitores.
ResponderExcluirParabéns!
ResponderExcluirVocê escreve muito bem!
Sempre falo que temos em nosso País verdadeiros escritores anônimo.
Sucesso...
bjs Iva