"Nighthawks". Edward Hopper, 1942 |
Certa manhã, Rafael acordou com dor de cabeça, uma ressaca infinita. Sem paciência para fazer o café, vestiu a roupa e foi para o trabalho. No meio do caminho parou em uma lanchonete. Copo de leite e pastel. O leite estava frio e o pastel era puro vento.
Para não forçar a barra, antes de decidir se reclamava da qualidade dos serviços ou se ia embora, começou a contar até dez. Lá pela altura do seis, a porta se abriu e a mulher entrou. Sentada em uma das banquetas do balcão, quase ao seu lado, pediu café (com adoçante) e um sanduíche. A voz, quase um sussurro, era puro veludo.
Foi amor à primeira vista – ou será que Rafael ficou cego com a sua (dela) presença? De qualquer forma, a moça era um conjunto de emoções que deslizavam na direção da loucura. Cada centímetro cúbico daquele corpo equivalia a milhares de toneladas da mais instável nitroglicerina. Vestia uma “mini” minissaia. Quem é que conseguiria resistir àquele pedaço de mau caminho? Ou melhor, de ótimo, excelente, fantástico, perigoso caminho. Os olhos de Rafael brilharam.
Nighthawks (detalhe) |
O delírio só terminou no instante em que percebeu que ela estava diante do caixa, pagando a conta. Tentou alcançá-la e esbarrou em um gordo que vinha em sentido contrário. Quase brigou com o sujeito. Quando conseguiu chegar até a porta, ela estava entrando em um taxi – que foi embora em alta velocidade. Remoeu a imagem e o desencontro.
Armado da mais doce e infinita paciência zen, Rafael fez da vida uma busca incessante pela mulher desaparecida. Três anos e nada. Voltou dezenas de vezes até a lanchonete. Esteve em todos os lugares possíveis e imagináveis – bares, restaurantes, universidade, centros espíritas, circos, hipódromos, teatros alternativos, desfiles de moda: tudo inútil, sem sentido, sem a resposta que necessitava.
"Automat". Edward Hopper, 1927. |
Ficou observando-a, na expectativa que fosse outra. Ao mesmo tempo, as palavras secaram em sua garganta, o existir era um deserto – e o gosto de areia impediu que pronunciasse um único som.
Ela percebeu o interesse e perguntou:
– Vamos até o meu apartamento? Por cem reais nada poderá impedir a nossa felicidade. Vamos?
Surpreso, Rafael teve a nítida impressão de que o mundo estava desabando. Cheio de pudores, pensou em fugir o mais rápido possível. Antes, olhou mais uma vez para a garota: queria confirmar o que já era uma certeza. Depois, como uma criança desamparada, se deixou conduzir pela mão até um edifício no meio da quadra.
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